TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

220 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Em nosso modo de ver, tal entendimento normativo é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º e 32.º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, porquanto preclusivo para o arguido, do pleno e efetivo direito ao contraditório, no quadro de um processo justo e equitativo, enquanto mecanismo essencial das garantias de defesa. Daí a nossa discordância jurídico-constitucional. 4. A contestação e rol de testemunhas constituem os meios processuais através dos quais o arguido exerce, em pri- meira linha, o seu direito de defesa face à acusação contra si deduzida, tendo em vista a audiência de julgamento. Pelo que, ainda que não sejam de apresentação obrigatória, a contestação e rol de testemunhas, são os meios adequados que a lei coloca à disposição do arguido, nesta fase, para que possa intervir e participar na criação da decisão. 5. Ora, ainda que num quadro de reenvio para novo julgamento, e salvo melhor opinião, é nosso entendimento que tais direitos se mantêm inalterados. E dizemo-lo na medida em que a anulação da anterior decisão na sua totalidade, e o consequente reenvio para novo julgamento, implica necessariamente uma nova discussão da causa, e esta, por sua vez, uma nova produção de prova, no âmbito do que é o objeto do processo. 6. Donde, não tendo o tribunal superior, no quadro de reenvio, delimitado quais os pontos de facto que serão objeto de atividade judicativa, dever-se-á entender que o mencionado reenvio afetará a totalidade do objeto pro- cessual, e concomitantemente, da discussão da causa. 7. Pelo que, o que à luz dos princípios da boa hermenêutica jurídica, o que esta em causa na decisão de reenvio para novo julgamento, não se pode reduzir à mera repetição da anterior audiência de discussão e julgamento. Tal entendimento é redutor da amplitude da decisão do tribunal superior. 8. E nessa medida, a realização de um novo de julgamento deve conferir ao arguido ( ex novo ), o direito de se poder defender provando, lançando mão de todas as normas e princípios que regem a fase de julgamento, entre as quais a constante do artigo 315.º do CPP. 9. Razão pela qual, tudo o que influa processualmente para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, deverá ser atendida, desde que balizada no quadro do objeto do processo e submetida aos critérios de admis- são da prova, na audiência de julgamento. Caso contrário estaríamos no domínio de um aparente novo julgamento. 10. Assim o impõe um processo equitativo, garantido pelo artigo 20.º da C.R.P. (assim como pelo artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo artigo 14.º, do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), entendido como um processo equilibrado, justo e leal. 11. Pelo que não se trata de ignorar o julgamento anterior (como se ele não existisse), o que está em causa é evitar uma mera repetição formal da audiência de discussão e julgamento anterior, escamoteando o essencial da decisão superior de anular a decisão recorrida: determinar o reenvio para um novo julgamento. 12. Só esta interpretação e concretização será suscetível de permitir ao arguido, exercer plenamente os seus direitos de defesa constitucionalmente consagrados no artigo 32.º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. 13. Só esta concretização se enquadra no âmbito de um processo equitativo, garantido pelo artigo 20.º da CRP e pelo artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tudo no sentido de um processo equili- brado, justo e leal ( fair trial; due process ). 14. Pelo que, em nosso entender, somos a afirmar que o artigo 315.º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de não ser de conceder prazo de defesa ao arguido para apresentação de contestação e rol de testemunhas, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento por tribunal superior, viola o disposto nos artigos 20.º e 32.º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa». O Ministério Público contra-alegou, concluindo, por seu lado, no sentido de que se deve «considerar constitucionalmente conforme a norma impugnada: ‘o artigo 315.º do Código de Processo Penal interpre- tado no sentido de não ser de conceder prazo de defesa ao arguido, para apresentação de contestação e rol de testemunhas, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento por tribunal superior’» e, em conse- quência, negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A. Cumpre apreciar e decidir.

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