TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

211 acórdão n.º 583/16 em termos de atribuir ao arrendatário de parte de um prédio urbano, que não está constituído em propriedade horizontal, precisamente, o direito de preferência na alienação da totalidade do prédio (a denominada “teoria expansionista”); II – Este precedente não permite, no quadro de um argumento de identidade de razão, uma trans- posição de argumentos para uma interpretação com o sentido (perspetivado inversamente) de negar ao arrendatário de parte de um prédio urbano não constituído em propriedade horizon- tal, o direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda deste (a denomi- nada teoria do local). Não obstante, não deixa de se retirar do Acórdão n.º 225/00 a ideia de uma tendencial neutralidade da Constituição quanto à maior ou menor extensão espacial com a qual o direito de preferência é reconhecido ao arrendatário; III – No arrendamento urbano, numa primeira fase (1924/1967), o direito de preferência era concedido unicamente arrendatário comercial. Só mais tarde o legislador optou por alar- gar a situação ao arrendatário habitacional, através da Lei n.º 63/77, de 25 de agosto; IV – Com a aprovação do RAU (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), a preferência do arrendatário habitacional passou a ser reportada à venda ou dação em cumprimento “[…] do local arrendado […]”, alteração que foi entendida, por uma parte da doutrina e da jurispru- dência, como visando afastar a interpretação expansiva da preferência do arrendatário de parte de um prédio urbano, que não está constituído em propriedade horizontal. A partir do RAU, segundo tal doutrina, seria negado ao arrendatário, nesse caso, o exercício do direito de prefe- rência na alienação da totalidade do prédio. Tal entendimento não era, todavia, unânime, tal como não o era o entendimento contrário no quadro da Lei n.º 63/77; V – Não cabendo ao Tribunal Constitucional tomar posição sobre a melhor interpretação do direito infraconstitucional, a norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo prédio, só pode ser afastada por este Tribunal se se concluir que a Constituição impõe solução diversa, ou seja, que alguma norma ou princípio constitucional obriga ao reconhecimento do direito de preferência na hipótese descrita, correspondente à chamada “teoria expansionista”; VI – A interpretação normativa indicada no ponto anterior não viola o princípio da igualdade, pois não pode afirmar-se igual a situação do arrendatário de uma parte de um imóvel com autono- mia jurídica – designadamente, uma fração autónoma – e a do arrendatário de uma parte de um imóvel não autonomizada, desde logo porque a igualdade não pode aferir-se por referência ao mais simplificado plano de facto, mas à situação global complexa de facto e de direito; VII – No aludido plano, não estamos perante a mesma situação num caso em que o arrendamento incide sobre um objeto cujo domínio pode ser autonomamente transacionado e num caso em que incide sobre parte não autonomizada de um imóvel. A atribuição do direito de preferência a favor do arrendatário visa proporcionar o acesso à propriedade a quem beneficia já de um direito de gozo prolongado sobre o imóvel, com o que daí vem implicado de estabilidade na habitação, mas – até a essa luz – não pode dizer-se que há igualdade na situação de aquisição do espaço de habitação e na situação de aquisição de maior superfície, incluindo área que não correspondia à anterior habitação; VIII – O objeto da propriedade não tem, forçosamente, que coincidir com o objeto do arrenda- mento, tratando-se de direitos de natureza diferente, podendo o legislador exigir que a proprie- dade tenha por objeto uma realidade física e jurídica unitária com certas características, não se fazendo sentir as mesmas exigências no caso de locação. Mostrando-se razoável a exigência da autonomia jurídica da coisa para que possa constituir objeto de um negócio translativo da pro-

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