TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
210 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção. Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, ‘ não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados’. […]” (itálicos acrescentados). Os recorrentes alegaram que as quatro condições enunciadas se verificam na hipótese dos presentes autos, mas não existem motivos bastantes para sustentar essa conclusão. Em primeiro lugar, não se verifica que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comporta- mentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade ou exclusividade de uma determinada interpretação do alcance, quanto ao objeto, da preferência atribuída ao arrendatário habitacional. Na ver- dade, como justamente se afirma no Acórdão n.º 128/09, não existe, à partida, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradouras (como é o caso da relação de arrendamento). Ademais, a simples maior ou menor expressão de uma corrente jurispruden- cial relativa ao alcance do direito de preferência do arrendatário – é disso que aqui se trata –, não configura qualquer “comportamento” (ativo) – seguramente não do legislador – gerador nos destinatários das normas de uma expectativa de manutenção ou de prevalência de uma ou outra das correntes interpretativas em jogo. Não existindo, propriamente, expectativas dignas de tutela num quadro em que se confrontam diferen- tes interpretações de uma norma por diversos Tribunais, não podem afirmar-se legítima ou fundada em boas razões (que, em qualquer caso, não se anteveem) a pretensão de ver estabilizada, à margem da intervenção do legislador, uma ou outra das interpretações em jogo. Note-se, aliás, que não está em causa, sequer, a respeito da interpretação do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do CC, um aspeto central do regime do arrendamento urbano, atinente às suas obrigações principais, mas, tão-somente, a regulação jurídica de um facto eventual e não essencial do contrato. E, note-se, enfim, que a interpretação que é referenciada como teoria do local não deixa de encontrar justificação no interesse de fazer coincidir o objeto da preferência com o objeto do arrendamento, não sacrificando a autonomia negocial do proprietário para além do que a proteção que se pretendeu conceder ao arrendatário justifica. 2.3. Em face do exposto, deve concluir-se que a norma que constitui objeto do recurso – a norma na interpretação aqui adotada na decisão recorrida – não viola os parâmetros constitucionais assinalados pelos recorrentes (nem quaisquer outros). É o que resta afirmar, com a consequente improcedência do recurso. 2.4. Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 69.º da LTC): I – Relativamente ao direito de preferência do arrendatário na aquisição do prédio arrendado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 225/00, decidiu não julgar inconstitucional o artigo 47.º, n.º 1, do (então vigente) Regime do Arrendamento Urbano (RAU), quando interpretado
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