TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
209 acórdão n.º 583/16 2.2.3. 4. As conclusões que antecedem permitem afirmar que a Constituição não prevê ou acolhe o direito de o arrendatário habitacional adquirir, através do exercício do direito de preferência, o direito de propriedade sobre um bem imóvel que exceda o espaço correspondente ao locado. Tem, assim, forçosamente, resposta negativa a questão da alegada restrição desproporcionada do direito fundamental dos arrendatários de aceder à propriedade do imóvel onde habitam, que, no entender dos recorrentes, seria violadora dos artigos 62.º, n.º 1, 17.º e 18.º, n. os 2 e 3, da CRP. Em primeiro lugar (e tanto bastaria), porque, como se concluiu, tal direito não existe com a pretendida configuração (enquanto direito fundamental previsto na Constituição), pelo que afastado está que tenha sido desproporcionadamente restringido. Em segundo lugar, porque, como também se analisou, o direito à habitação não se confunde com o direito de propriedade e não tem que se realizar necessariamente (em geral e, especialmente, em hipóteses como a dos presentes autos) por via do direito de propriedade, que, manifestamente, não está em causa. Os recorrentes não se viram privados ou afetados em qualquer direito de propriedade de que fossem titulares, nem sequer de um direito real de aquisição que só numa particular interpretação da lei infraconstitucional lhes era reconhecido, sem que o legislador expressamente tivesse optado por qualquer das interpretações consabidamente em jogo. 2.2.4. Quanto à invocada violação do princípio da tutela da confiança, deve começar por afirmar-se a linha jurisprudencial do Tribunal a tal respeito, segundo a qual essa tutela não pode paralisar absolutamente o legislador. A este respeito, pode ler-se no Acórdão n.º 156/95: “[…] Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decor- rente do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, tam- bém ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a licitude (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam «tocadas» relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta [não] vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cida- dãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que atue o subprincípio da proteção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar. Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas “que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incom- portável” (cfr. Acórdão n.º 365/91 no Diário da República , 2.ª Série, de 27 de agosto de 1991), ou se não perspeti- vem como consistentes, não se justifica a cabida proteção em nome do primado do Estado de direito democrático. […]”. Mais recentemente, no Acórdão n.º 128/09, os critérios atrás enunciados foram arrumados em quatro requisitos ou testes (referidos, sucessivamente, nos Acórdãos n. os 188/09, 187/13, 862/13, 575/14, 241/15 e 509/15): “[…] Os dois critérios enunciados [no Acórdão n.º 287/90] (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que haja lugar à tutela
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