TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL propriedade), podendo ser realizado também por via do direito de arrendamento” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 836). 2.2.3. 2. Para além da margem de liberdade de que goza no estabelecimento do regime jurídico que entende ser mais adequado à satisfação do direito à habitação, o legislador também pode transformá-lo ao longo do tempo. A este propósito, Jorge Miranda e Rui Medeiros ( ob. cit. , p. 1329), observam o seguinte, com particular pertinência para o caso dos presentes autos: “[…] [O] legislador ordinário nem sequer está vinculado às opções legislativas adotadas num determinado momento histórico Aliás como resulta do Ac. n.º 465/01, não só é de duvidar da consagração constitucional de um tal prin- cípio, não resultando de nenhum dos diversos números do artigo 65.º qualquer ‘obrigação geral de manter soluções jurídicas anteriormente estabelecidas’, como também não é possível obliterar que, em matéria de arrendamento para habitação, mesmo existindo um aparente retrocesso na perspetiva da situação dos inquilinos existentes, uma conclusão definitiva no sentido da verificação de um retrocesso só pode ser alcançada depois da ponderação, para além da situação dos próprios senhorios, dos efeitos das medidas em causa sobre o mercado do arrendamento em geral. […]” (itálico acrescentado). Ou seja, como se lê no Acórdão n.º 346/93: “[…] [N]esta matéria do direito constitucional à habitação, tem de ponderar-se que o seu grau de realização fica dependente sempre, em última análise, das opções que o Estado seguir em matéria de política de habitação, as quais são sempre condicionadas pelos recursos financeiros de que o próprio Estado possa dispor em cada momento (a chamada ‘reserva do possível’) e pelo grau de sacrifício que o legislador considerar razoável impor aos proprietários privados, senhorios de casas de habitação. […]”. No conflito de interesses entre o senhorio e o inquilino, a proteção deste, por razões de tutela consti- tucional da habitação, justificar-se-á com mais intensidade quando esteja em causa a efetiva ablação desse direito (como vimos, não é o caso), devendo – no mais – conferir-se “[…] total primazia ao legislador” e, nessa medida, admitindo “[…] a constitucionalidade da generalidade das soluções gizadas pela lei […]” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, ob. cit. , p. 1332). 2.2.3. 3. O exposto – designadamente, a ampla margem de que goza o legislador – permite concluir, com segurança, que do artigo 65.º da Constituição não pode extrair-se a exigência imperativa de que uma das vias de realização do direito à habitação seja a da previsão legislativa de aquisição, através do direito de preferência, em termos gerais, a quem já dispõe de uma habitação arrendada, do direito de propriedade sobre um bem imóvel que exceda o locado. Acresce que não está em causa, na interpretação normativa em análise, proporcionar originariamente a habitação (porque o arrendatário já dela dispõe), mas apenas dotá-la de maior estabilidade, por via do direito de propriedade, e à custa de algum grau de sacrifício da autonomia negocial relativamente a uma parte do imóvel que não é sequer objeto do arrendamento, o que é situação bem diversa e, claro está, reclamando uma tutela muito menos intensa. Afirmar que tal solução decorre do artigo 65.º da Constituição constituiria uma limitação assinalável à liberdade do legislador e à liberdade negocial do proprietário que, num caso e no outro, não encontraria fundamento bastante no contexto acabado de expor.
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