TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

207 acórdão n.º 583/16 exercício da preferência pelo arrendatário habitacional, podem conduzir a um tratamento diferenciado de quem é confrontado com a venda, exclusivamente, do seu “local arrendado” e quem é confrontado com um negócio abrangendo um espaço mais amplo do qual não é juridicamente destacável o espaço correspondente ao objeto do arrendamento. Como tal, não se mostra violado o princípio da igualdade. 2.2.3. No que respeita à invocada desconformidade com o “programa constitucional de acesso à habitação própria”, em violação do disposto no artigo 65.º, n. os 1 e 3, da Constituição, importa apurar se a Constituição exige, de algum modo em certas condições, que o direito à habitação se proporcione através de uma transfor- mação, por via de um direito de preferência, da habitação arrendada em habitação própria. 2.2.3. 1. O artigo 65.º da Constituição visa garantir, antes de mais, “[…] o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Ano- tada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1325 e seguintes), ou, nos dizeres do Acórdão n.º 151/92: “[…] Todos, pois, têm direito a uma morada decente, para si e para a sua família; uma morada que seja proporcio- nada ao número dos membros do respetivo agregado familiar, por forma a que seja preservada a intimidade de cada um deles e a privacidade da família no seu conjunto; uma morada que, além disso, permita a todos viver em ambiente fisicamente são e que ofereça os serviços básicos para a vida da família e da comunidade. […]”. Este direito está em conexão com outros direitos fundamentais, como o da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º), e com a ideia de tutela da família (artigo 67.º), entre outros (Jorge Miranda, Rui Medeiros, ob. cit. , p. 1326). Assim genericamente entendido, o direito à habitação tanto pode ser assegurado por via do arrendamento como por via da propriedade (habitação própria) – cfr., a propósito, o artigo 65.º, n.º 2, alínea c) , da Constituição. É certo que o n.º 3 do artigo 65.º da Constituição encarrega o Estado de adotar uma política de acesso a habitação própria, mas essa finalidade pode alcançar-se por diversas vias – “[…] como ‘promotor’ de habi- tação, quer indiretamente, enquanto ‘indutor’ de habitação, apoiando a iniciativa quer dos entes públicos autónomos […], quer da iniciativa privada […], quer da iniciativa cooperativa e das comunidades locais – em especial a denominada autoconstrução” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, ob. cit. , p. 1328). Trata-se, aliás, de matéria em que o legislador goza de ampla margem de conformação, como foi justa- mente se assinala no Acórdão n.º 806/93: “[…] A conceção constitucional quanto à efetivação do direito à habitação é, assim, uma conceção «plural» ou «aberta» quanto aos meios, que tanto pode ser canalizada na promoção e regulação da oferta habitacional, como da sua procura. […] [E]stá em causa uma pura opção de política social, adotada ao abrigo da liberdade que assiste ao legislador, dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos.  Não pode, pois, um juízo de constitucionalidade incidir sobre as finalidades dessa política, mas tão somente sobre o confronto dos normativos que a corporizam com os pertinentes preceitos constitucionais […]”. Por outro lado, o direito à habitação, por si só, “[…] não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o direito a ter uma habitação num imóvel da proprie- dade do cidadão […]” (Acórdão n.º 649/99) ou, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[…] o direito à habitação não se reduz ao direito a habitação própria (o que o transformaria num caso de direito à

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