TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

203 acórdão n.º 583/16 Estes exprimem […] o princípio de que o direito de preferência incide sobre o objeto do direito preexistente que o justifica, só podendo ir além desse no interesse do sujeito à preferência. O direito de preferência limita-se ao ‘local arrendado’. Se é alienada uma coisa global – um prédio – em que o local arrendado tenha autonomia jurídica, o direito de preferência não se pode exercer. Em suma: perante a nova lei [RAU], ou o direito de preferência se pode exercer apenas em relação ao local arrendado, o que supõe a possibilidade de autonomização jurídica deste, ou o seu exercício é impossível. […]” ( Subarrendamento e Direitos de Preferência no Novo Regime do Arrendamento Urbano, cit., p. 68).    Não obstante, mesmo na vigência do RAU, e posteriormente já no domínio do NRAU (que manteve, como vimos, a referência a local arrendado), não deixaram de subsistir interpretações no sentido de conti- nuar a expandir a preferência fundada no arrendamento urbano a vendas cujo objeto extravasasse do local arrendado, como sucedia com a venda de todo um prédio não constituído em propriedade horizontal (neste sentido, Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano , 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 308). É assim que o estado atual do entendimento desta questão é caracterizado por António Menezes Cordeiro nos termos seguintes: “[…] Coloca-se o problema de o local arrendado ser apenas parte de um prédio, que não esteja em propriedade horizontal. A jurisprudência divide-se: nuns casos, entende-se que o locatário de parte do prédio tem o direito de preferir na compra do conjunto, havendo vários direitos de preferência concorrentes, na hipótese de surgirem diversos arrendatários dos distintos fogos do prédio ( teoria expansionista ); noutros, decidiu-se que a preferência só operava perante o concreto ‘local arrendado’, ficando afastadas caso tal local não pudesse ser autonomamente transacionado ( teoria do local ). […]” ( Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, cit. , p. 262,itálicos acrescentados).  É o primeiro destes entendimentos jurisprudenciais, a designada teoria expansionista, que os recor- rentes pretendem ver aqui consagrado enquanto imposição constitucional, contra a afirmação da chamada teoria do local, subjacente à decisão recorrida. Trata-se, pois, por banda dos recorrentes, do que podemos caraterizar como pretensão de captura do futuro da interpretação, com o efeito necessário de condicionar as opções (futuras) do legislador nesta matéria. É que, indicando, como pretendem os recorrentes, uma das interpretações em jogo como constitucionalmente exigida, define-se a interpretação contraposta a esta, con- sequentemente, como não conforme à Constituição. A este respeito, lembramos que qualquer das perspetivas aqui equacionadas – tanto a teoria expansio- nista como a teoria do local – sempre constituíram construções interpretativas elaboradas face sucessivos tex- tos legais polissémicos, os quais, sendo mais ou menos expressivos num ou noutro sentido, nunca resolveram expressamente o problema da extensão espacial do objeto da preferência atribuída ao arrendatário habitacio- nal. Mesmo no quadro da Lei n.º 63/77, face a um texto contendo uma formulação mais sugestiva quanto à designada teoria expansionista (“locatário habitacional de imóvel urbano” e “direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo”), não faltaram decisões de tribunais excluindo essa construção (cfr., a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de julho de 1981, na Coletânea de Jurisprudência, 1981, 4.º, p. 87: “[a] Lei 63/77 consagra o direito de preferência do inqui- lino no caso de alienação onerosa do prédio urbano, mas não prevê o exercício desse direito relativamente a fração não autonomizada do prédio”). Da mesma forma, face a textos contendo formulações mais próximas da designada teoria do local, aqui adotada pela decisão recorrida, a opção por esta sempre assentou numa justificação interpretativa referida à conjugação de elementos textuais, teleológicos, sistemáticos e à projeção das consequências, mais ou menos convenientes, decorrentes de cada uma das situações (tudo ferramentas interpretativas de captação da mensagem normativa contida em textos polissémicos):

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