TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Foi este o enquadramento legal que vigorou até à edição do RAU em 1990 (pelo Decreto-Lei n.º 321- B/90, de 15 de outubro), passando então a situação a ser regulada pelo artigo 47.º do RAU (integrado numa secção intitulada “Do direito de preferência do arrendatário”), nos termos seguintes: «[…] Artigo 47.º Direito de preferência 1 – O arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano. […]» Em 2006, finalmente – e assim chegamos à norma ora em causa (tratando-se do exercício de uma preferência relativa a venda ocorrida em 2012) –, com a aprovação do NRAU, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, regressando o fundamental da disciplina do arrendamento ao texto do Código Civil, aparece o artigo 1091.º, n.º 1, estabelecendo, na respetiva alínea a) , ter o arrendatário direito de preferência “[n]a compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos”. Observando esta evolução, fixando o trecho temporal iniciado em 1977 com a publicação da Lei n.º 63/77, de 25 de agosto, constatamos terem passado a coexistir no nosso ordenamento jurídico, então, relativamente ao arrendamento urbano, preferências comerciais e preferências habitacionais outorgadas aos arrendatários, sendo que estas últimas foram justificadas, no preambulo do diploma, no quadro de uma polí- tica de fomento do acesso dos arrendatários “[…] à habitação própria (artigo 65.º, n.º 2 [da Constituição na versão de 1976])”, afirmando-se aí que “[poderia] contribuir para a referida política, ainda que em grau redu- zido, conferir aos arrendatários habitacionais direito de preferência na compra e venda ou dação em cumpri- mento dos imóveis respetivos”. Ora, porque a preferência do arrendatário relativa ao arrendamento comercial – a única que existiu até 1977 –, se referia ao “prédio arrendado” – [“[n]a venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio arrendado, os arrendatários que nele exerçam o comércio ou indústria há mais de um ano têm preferência, sucessivamente e por ordem decrescente das rendas” (artigo 1117.º, n.º 1, do CC)] –, poderemos caracterizar o sentido da referência, no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 63/77, ao direito de preferên- cia do “locatário habitacional de imóvel urbano […] na compra e venda […] do mesmo” como o resultado de um certo decalque do regime próprio da preferência que existia quanto ao arrendamento comercial. Foi nesta construção que se alicerçou, no quadro interpretativo da Lei n.º 63/77, o entendimento jurispruden- cial segundo o qual a preferência do arrendatário habitacional não deixaria de funcionar, mesmo quando a venda se referisse a todo o imóvel e não somente à parte deste correspondente ao locado (cfr. José de Oliveira Ascensão, “Subarrendamento e Direitos de Preferência no Novo Regime do Arrendamento Urbano”, in Revista da Ordem dos Advogado s, ano 51.º, I, 1991, p. 68). Com a edição do RAU em 1990 (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), que operou a revogação da Lei n.º 63/77 (e, igualmente, do artigo 1117.º do CC), a preferência do arrendatário habitacional passou a ser reportada à venda ou dação em cumprimento “[…] do local arrendado […]” (artigo 47.º, n.º 1, do RAU, acima transcrito), numa alteração da letra da lei que foi entendida, concretamente por alguma dou- trina, como visando exautorar a interpretação expansiva da preferência do arrendatário habitacional baseada na letra do artigo 1.º da Lei n.º 63/77. Este entendimento foi sustentado, por exemplo, por José de Oliveira Ascensão: “[…] Supomos que esta situação é justamente removida pela nova lei do arrendamento urbano [o RAU]. O artigo 1117.º do CC e a Lei n.º 63/77 foram expressamente revogados. […]. Só restam o artigo 417.º do CC e as disposições da nova lei.
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