TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

201 acórdão n.º 583/16 com tal alcance constituía, precisamente, a construção interpretativa da preferência do arrendatário que o Tribunal Constitucional recebera nesse processo do tribunal a quo e, por isso, tinha de apreciar.  Assim, o que cremos valer na presente situação com algum sentido de argumento de semelhança, em vista do quadro de análise traçado no Acórdão n.º 225/00, é a ideia de neutralidade da Constituição quanto à questão da maior ou menor extensão espacial com a qual o direito de preferência é reconhecido ao arren- datário. Note-se que esta perspetiva de neutralidade foi afirmada pelo Tribunal num contexto argumentativo diverso do que aqui se configura: foi-o (no Acórdão n.º 225/00) face ao direito de propriedade do senhorio – quem aí invocava a limitação desse direito, enquanto liberdade de transmissão da propriedade, por via da sujeição desta a um tipo de vinculação exorbitante do espaço do locado e, consequentemente, do sentido com o qual era atribuída ao locatário a preferência. O quadro específico em que esta se colocava e foi tratada pelo Tribunal Constitucional nessa ocasião não nos permite, pois, construir no presente contexto um verda- deiro argumento de identidade de razão, que diretamente induza o resultado do recurso, não nos isentando de apreciar a diferente perspetiva em que o problema ora nos é colocado e os argumentos de constituciona- lidade especificamente convocados pelos recorrentes. Contudo, esta ideia de neutralidade constitucional quanto à extensão do objeto da preferência do arren- datário não deixa de valer como caraterização da essência profunda da referenciação desse direito ao quadro constitucional como problema essencialmente exterior a este quadro, relativamente ao qual a liberdade de opção legislativa tende a não ser condicionada pela projeção de valores constitucionais. E, face à ausência de uma opção legislativa expressa, esta mesma ideia de neutralidade da questão no plano constitucional não deixa de valer – vale até por maioria de razão – para a jurisprudência, relativamente à interpretação do sentido e do alcance da preferência do arrendatário. Neste caso, poder-se-á contestar, de um ponto de vista das legis artis interpretativas, esta ou aquela construção jurisprudencial do objeto deste tipo de preferência. Essa contestação, no entanto, não obtém, no que aqui interessa, argumentos decisivos na referência a nor- mas e princípios constitucionais. Foi o que sucedeu relativamente à invocação do direito de propriedade no Acórdão n.º 225/00, e o mesmo não deixará de suceder, como veremos, com o princípio da igualdade, com o artigo 65.º, n. os 1 e 3, da Constituição, com o princípio da proporcionalidade (no quadro de uma suposta restrição do direito do arrendatário de aceder à propriedade do local onde habita) ou com o princípio da proteção da confiança, todos estes esgrimidos pelos recorrentes no presente recurso.  2.1.1. Relativamente à outorga de um direito de preferência ao arrendatário desencadeado pela venda do locado, assistimos, numa primeira fase, quanto ao arrendamento urbano, à outorga desse direito apenas ao arrendatário comercial (vide António Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, Coimbra, 2014, pp. 258/261). Só mais tarde o legislador optou por alar- gar a situação ao arrendatário habitacional, alocando a este um direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento. Com efeito, a preferência estabelecida nos anos vinte do século passado para o arrendamento comercial (com a seguinte sequência temporal: Lei n.º 1662, de 4 de setembro de 1924; Lei n.º 2030, de 22 de junho de 1948; Decreto n.º 43 525, de 7 de março de 1961; artigo 1117.º do CC na versão inicial de 1967), foi estendida em 1977 ao arrendamento habitacional através da Lei n.º 63/77, de 25 de agosto, nos seguintes termos: «[…] Artigo 1.º Direito de preferência do locatário habitacional 1 – O locatário habitacional de imóvel urbano tem o direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo. 2 – O locatário habitacional de fração autónoma de imóvel urbano também goza do direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento da respetiva fração. […]»

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