TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sobre o direito de transmissão da propriedade (dimensão que agora poderia estar em causa) referem aqueles auto- res: ‘[u]m dos aspetos explicitamente garantidos é a liberdade de transmissão, inter vivos ou mortis causa (n.º 1, in fine ), não podendo haver bens vinculados ou sujeitos a interdição de alienação. Este direito deve ser entendido no sentido restrito de direito de não ser impedido de a transmitir, mas não no sentido genérico de liberdade de transmissão, a qual pode ser mais ou menos profundamente limitada por via legal, quer quanto à transmissão inter vivos (obrigações de venda, direito de preferência, etc.) quer quanto à transmissão mortis causa ..’. Do que antecede resulta que o estabelecimento na lei de direitos de preferência não afeta, só por si, o conteúdo constitucionalmente reconhecido ao direito de propriedade em qualquer das suas dimensões. Designadamente o direito a transmitir a propriedade não se vê afetado no seu conteúdo essencial. É que o estabelecimento de um direito de preferência no caso de alienação do prédio não obriga o proprietário a vender, nem o impede de vender, mas apenas o obriga a, caso decida vender, atribuir preferência nessa alienação, em igualdade de circunstâncias, no caso ao arrendatário do prédio. Em causa não está a liberdade de alienação, mas apenas a liberdade de escolha da outra parte no negócio , que pode efetivamente ver-se limitada pela lei ordinária, através da atribuição de um direito de preferência, em atenção à necessidade de proteção de outro tipo de interesses, sem que com isso se viole o disposto no artigo 62.º da Cons- tituição. Nesse sentido refere Jorge Alberto Aragão Seia, em anotação ao artigo 47.º do RAU ( Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 3.ª edição Revista e Atualizada, Coimbra: Almedina, 1997, pp. 243 e 244) ‘[p]or outro lado, também não se pode dizer que o proprietário vê limitado o seu direito na alienação do prédio, quando se confere o direito ao arrendatário de preferir na venda de parte ou da sua totalidade, se o local arrendado é vendido global- mente com outras partes ou a totalidade do prédio. É que, não lhe é retirado o direito de alienar parte do prédio ou a sua totalidade, mas apenas se lhe impõe que, tanto por tanto, venda ao arrendatário. Não existe qualquer inconstitucionalidade.’ Acresce que a limitação à liberdade de escolha da outra parte do negócio, traduzida na consagração do direito de preferência, não constitui uma limitação arbitrária ou materialmente infundada. A justificação para essa limita- ção encontramo-la na breve exposição de motivos que acompanha a Lei 63/77, de 25 de agosto, fonte histórica do atual artigo 47.º, n.º 1, do RAU. Aí se refere: ‘No domínio dos direitos e deveres sociais, dispõe a Constituição da República que ao Estado compete, além do mais, adotar uma política de acesso à habitação própria (artigo 65.º, n.º 2, da Constituição). Poderá contribuir para a referida política, ainda que em grau reduzido, conferir aos arren- datários habitacionais direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento dos imóveis respetivos’. […] Assim, […] consideramos que o artigo 47.º, n.º 1, do RAU não é inconstitucional, designadamente não viola o disposto no artigo 62.º da Constituição, quando interpretado em termos de atribuir ao arrendatário de parte de um prédio urbano, que não está constituído em propriedade horizontal, o direito de preferência na alienação da totalidade do prédio. […]” (itálicos acrescentados). Como se disse, apreciou-se neste Acórdão n.º 225/00 a conformidade constitucional do tipo de cons- trução interpretativa da preferência do arrendatário habitacional que os recorrentes pretendem obter no caso presente, precisamente a interpretação que não foi adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça neste processo. Assim, poder-se-ia sustentar que a hipótese que nos interpela justificaria um tratamento diverso do assumido na decisão recorrida, no plano de referenciação a valores constitucionais, reconhecendo-se amplamente o direito de preferência, como sucedeu no Acórdão n.º 225/00. Porém, não foi nesses termos que o Tribunal Constitucional considerou aí o alargamento do objeto do direito, limitando-se antes a assumir, como não poderia deixar de ser, esse alargamento como o dado interpretativo recebido da decisão que aí era sujeita à apreciação do Tribunal. Daí que se tenha referido nessa ocasião que o direito de preferência (o que se afirma incidir sobre todo o prédio não constituído em propriedade horizontal), “[…] a existir, só pode exercer-se sobre a totalidade do prédio […]” (sublinhado acrescentado). Ora, a “existência” do direito de preferência
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