TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.ª)É certo que esta medida sancionatória (reconstitutiva) da “ordem de pagamento” é de um tipo peculiar, pois através dela, em certo sentido, poderá uma entidade pública modificar subjetivamente um conflito de interesses entre privados, na medida em que a mesma assim poderá ficar confrontada com a entidade patro- nal, em vez (ou, em certos casos, cumuladamente em sede de vários tipos de processos, administrativos e judiciais) dos trabalhadores titulares dos créditos controvertidos. 7.ª)Todavia, a natureza socialmente preeminente do interesse em causa, a tutela da integridade da retribuição pelo trabalho prestado, cuja defesa se torna periclitante para o trabalhador quando o contrato de trabalho está em vigor e em execução, justificará esta medida de ativismo administrativo. 8.ª)O ponto decisivo está em examinar o modo como o legislador harmonizou todos os interesses relevantes em causa, dos sujeitos da relação de trabalho e da separação, interdependência e reserva de funções admi- nistrativas e jurisdicionais, nomeadamente se com a solução legal perfilhada ficou salvaguardado o “núcleo essencial” da reserva da função jurisdicional, tal como garantida no artigo 202.º, n. os 1 e 2, da Constituição. 9.ª)E assim será, porque a decisão sancionatória administrativa, nomeadamente a “ordem de pagamento” é pas- sível, em sede do “recurso de impugnação”, sem entrave sério para os interessados, de reapreciação por um tribunal, investido de poderes de “plena jurisdição”, para nesse contexto exercer, soberana e definitivamente, com força e autoridade de caso julgado, o seu poder jurisdicional (art. 549.º do CT e artigos 59.º e seguin- tes, nomeadamente do seu artigo 75.º, n.º 2, als. a) e b) , do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação vigente). 10.ª)Sendo certo, por fim, que o tribunal materialmente competente é, justamente, um tribunal do trabalho, embora a forma processual do exercício da sua concreta função jurisdicional neste caso seja o dito “recurso de impugnação”.» A recorrida concluiu a sua contra-alegação nos seguintes termos: «1. A coima tem como objetivo primordial fomentar e conduzir ao cumprimento de deveres ou obrigações relevantes para a ordenação social. 2. Deste modo, a ordem de pagamento das quantias em dívida aos trabalhadores não se configura como coima, mas sim como uma verdadeira condenação ao pagamento, em muito semelhante à ação executiva para o paga- mento de quantia certa, prevista no Código de Processo Civil. 3. Condenação essa que a ACT não tem atribuições para a proferir. 4. Caso se admitisse, por hipótese meramente académica, que a ACT pudesse condenar no pagamento de quantias aos trabalhadores (e à Segurança Social), então, ao proferir essa decisão sem apurar se o alegado e subja- cente direito do trabalhador existe no plano fáctico e jurídico – nomeadamente se se verificam eventuais exceções que obstem ou possam obstar à sua existência –, a decisão seria aplicada sem estarem garantidos os meios de defesa mínimos. 5. Podendo, no limite, se não impugnada judicialmente, constituir um título executivo. 6. Não se poderá olvidar que a função jurisdicional, em particular na sua vertente de «dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», encontra-se adstrita aos Tribunais e não a entidades administrativas. 7. Ora, a decisão de pagamento de quantias aos trabalhadores tem na sua génese um possível conflito de inte- resses privados, i. e. , a relação contratual laboral e possíveis créditos laborais devidos 8. O princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania pressupõe um núcleo essencial em que as suas funções não podem ser atribuídas a outros, sendo que qualquer ato que o desrespeite será inconstitucional. 9. A função jurisdicional atribuída aos Tribunais permite-lhes administrar a justiça, tendo como corolário a reserva de jurisdição e a reserva de Juiz. 10. A reserva de jurisdição funciona como limite à atuação dos órgãos e entidades, sendo que serão inconstitu- cionais quando tiverem um teor materialmente jurisdicional.
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