TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

199 acórdão n.º 583/16 competir a este Tribunal julgar, substitutivamente às instâncias, a ação de preferência nos seus diversos aspe- tos, competindo-lhe apreciar, tão-somente, a questão incidental de inconstitucionalidade diretamente ligada à dimensão normativa correspondente à ratio decidendi . É que, [n]os recursos de inconstitucionalidade” – e citamos de novo Rui Medeiros – “[…], a norma objeto de fiscalização é a norma com o sentido concreto que o tribunal recorrido lhe atribuiu, não podendo o Tribunal Constitucional basear a sua decisão num diferente entendimento da norma em questão” ( A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 860), configurando verten- tes alternativas em que a decisão pudesse assentar. Assim, o elemento da norma-objeto diretamente implicado na decisão correspondeu à alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo pré- dio. Será este, então, o objeto do recurso, não se justificando a audição prévia dos recorrentes relativamente a esta delimitação, na medida em que, não obstante terem formalmente indicado um sentido mais amplo como objeto, discutiram, na substância dos seus argumentos (aliás, em coerência com a decisão recorrida), a dimensão normativa que se acabou de precisar. Caracterizado o tema do recurso, importa apreciá-lo. 2.1. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre o direito de preferência do arrendatário no âmbito da relação de arrendamento habitacional. Fê-lo no Acórdão n.º 225/00, num quadro que apresenta uma sugestiva proximidade com a presente situação. Em tal decisão, proferida no domínio do designado RAU (acrónimo do diploma contendo o Regime do Arrendamento Urbano, apro- vado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, que consubstanciou o regime antecessor do aqui em causa), especificamente quanto ao respetivo artigo 47.º, n.º 1 [a norma à qual o artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do CC sucedeu em 2006], tomou posição relativamente à conformidade constitucional do que poderíamos considerar a mesma situação de base aqui em causa, mas colocada na perspetiva inversa. Com efeito, discute-se no presente recurso a conformidade constitucional da interpretação do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do CC, na redação introduzida pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente NRAU), segundo a qual o arrendatário de parte não autonomizada do prédio não pode exercer preferência na venda da totalidade do imóvel. Inversamente, no Acórdão n.º 225/00, decidiu-se não julgar inconstitucional essa mesma interpretação referida ao artigo 47.º, n.º 1, do RAU, ou seja, quando interpretado em termos de atribuir ao arrendatário de parte de um prédio urbano, que não está constituído em propriedade horizontal, precisamente, o direito de preferência na alienação da totalidade do prédio (baseou-se esta decisão de 2000 na invocação pelo locador de que a atribuição da preferência ao arrendatário sobre a totalidade do imóvel vio- lava o respetivo direito de propriedade). Não obstante as diferentes perspetivas de abordagem do direito de preferência envolvidas na decisão deste Tribunal de 2000 e no presente recurso, trata-se, na substancia das coisas, do mesmo direito de pre- ferência (assente em normas de conteúdo idêntico) entendido com o mesmo sentido projetivo que aqui se discute (abrangendo a totalidade do prédio alienado quando o arrendamento indutor da preferência se confina a uma parte deste). Aliás, estava em causa, no Acórdão n.º 225/00, precisamente, uma decisão com o conteúdo aqui almejado pelos recorrentes. É assim que o percurso argumentativo seguido nesse Acórdão pode interessar à presente decisão, designadamente quando perspetiva o direito de preferência no plano dos valores constitucionais. A este respeito é significativo o seguinte trecho: “[…] Em anotação ao artigo 62.º da Constituição referem Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, 2.ª edição, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 334): ‘[t]eoricamente, o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: a) o direito a adquirir; b) o direito a usar e fruir dos bens de que se é pro- prietário; c) o direito de a transmitir; d) o direito de não ser privado dela’. Mais à frente (p. 335) e especificamente

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