TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

197 acórdão n.º 583/16 incontáveis decisões judiciais que as aplicaram no sentido de reconhecer a tais arrendatários direito de prefe- rência sobre a totalidade do prédio urbano. z) Não se vislumbrando, nem sendo explicitado no acórdão recorrido, qualquer interesse público suscetível de justificar a eliminação do direito de preferência dos inquilinos de partes dos prédios não constituídos em pro- priedade horizontal, inexistindo razões de tal forma ponderosas para o bem comum coletivo que justifiquem o sacrifício das legítimas expetativas de um número muito significativo de cidadãos, arrendatários de longa duração, para os quais a aplicação do artigo 1091.º do CC representa uma ”mais-valia” na proteção da sua permanência no local arrendado. aa) No caso vertente, verifica-se o preenchimento de todos os requisitos definidos na jurisprudência deste Tribunal Constitucional para se concluir pela violação do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP, na sua vertente subjetiva de princípio de proteção da confiança. […]”. II – Fundamentação 2. Relatado o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância, importa caracterizar o exato objeto temático do recurso de constitucionalidade. Os recorrentes pretendem ver apreciada por este Tribunal a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a parte arrendada ou sobre a totalidade do prédio, na compra e venda ou na dação em cumprimento desse mesmo prédio (estamos a reproduzir a for- mulação constante do requerimento de interposição transcrito no item 1.4.  supra ). Para além de outras condições cuja discussão não releva de momento, o recurso referido a uma específica dimensão interpretativa – o objeto de fiscalização que usualmente se qualifica como “a norma em determi- nada interpretação” – pressupõe a aplicação na decisão recorrida, enquanto ratio decidendi , da norma tida por inconstitucional por quem recorre, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de interposição do recurso e que tenha constituído o critério jurídico da decisão atacada. Com efeito, como observa Rui Medeiros, “[o] Tribunal Constitucional deve limitar-se a fiscalizar a constitucionalidade de uma regra abstratamente enunciada para uma aplicação genérica, não podendo controlar a concreta decisão de um caso jurídico” ( A Decisão de Inconstitucionalidade , Lisboa, 1999, p. 860). A respeito desta coincidência necessária entre a norma a fiscalizar e a norma aplicada, com o sentido operante na resolução do caso concreto, impõe-se notar que a norma objeto, o artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do CC, na redação que aqui está em causa, estabelece o seguinte: «Artigo 1091.º Regra geral 1 – O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos; (…)» A letra do preceito contém elementos não contemplados na decisão. Não está em causa qualquer dação em cumprimento. Não se tratou da alienação apenas da parte arrendada, antes foi vendida a totalidade do prédio, até porque, como a própria decisão recorrida entendeu e sublinhou, no caso não era possível alienar apenas a parte arrendada. A este propósito, observou-se o seguinte (em trecho constante de fls. 290) no acórdão ora recorrido:

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