TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL r) O direito legal de preferência dos arrendatários é frequentemente qualificado na doutrina e jurisprudência como um direito de real de aquisição, mas ainda que se considere que reveste natureza obrigacional ou de direito potestativo, é inequívoco que se trata de um direito patrimonial privado, que deve gozar da proteção constitucional da propriedade privada. s) Ora, a interpretação feita do artigo 1091.º do CC pelo Supremo Tribunal de Justiça na decisão recorrida, con- ducente à exclusão total do direito de preferência dos inquilinos de andares de prédios indivisos, constitui uma restrição do direito fundamental dos arrendatários, que atinge o conteúdo essencial do seu direito de aceder à propriedade do imóvel onde habitam, não sendo necessária para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – visto que o direito de preferência do arrendatário não afeta o direito de (transmitir a) propriedade do senhorio (cfr. Acórdão n.º 225/00 deste Tribunal Constitucional) – pelo que é patentemente violadora dos artigos 62.º, n.º 1, 17.º, 18.º, n.º 2 e 3, da CRP. t) Na síntese contida no Acórdão n.º 128/09 do Tribunal Constitucional, são quatro os requisitos para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança: 1.º o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; 2.º devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; 3.º devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “com- portamento” estadual; 4.º é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou as expectativas. u) No caso em apreço, os recorrentes são desde 1968 (ponto 1 dos factos provados), portanto há mais de 40 anos, arrendatários habitacionais de um andar de prédio não submetido ao regime da propriedade horizontal (ponto 2 dos factos provados). v) Segundo a jurisprudência prevalente do Supremo Tribunal de Justiça, ao longo de um período superior a 35 anos de vigência do contrato de arrendamento, no domínio da aplicação sucessiva das normas dos artigo 1.º da Lei n.º 53/77 e artigo 47.º do RAU – até à prolação do acórdão recorrido em 21/01/2016 – foi reiteradamente decidido que, no caso de prédio não estar constituído em propriedade horizontal, o direito de preferência do arrendatário incide sobre todo o imóvel. w) Daí que, face à postura do Estado legislador, que mantêm a consagração do direito de preferência dos arren- datários habitacionais há quase 40 anos, não obstante as sucessivas reformas do regime do regime do arrenda- mento urbano, e o entendimento do âmbito daquele direito sufragado pelos Tribunais Superiores, os recorren- tes tivessem fundadas razões e legítimas expetativas de poder preferir na venda do prédio em que se integra o seu andar arrendado. x) Tendo os AA. cuidado ao longo dos anos pela conservação do andar arrendado que é a sua casa de morada de família, poupando os seus rendimentos de modo a acumular as verbas que lhes permitissem um dia preferir na compra e venda do prédio locado, que só se veio a concretizar em 2012 (ponto 9 dos factos provados), sendo evidente o investimento da confiança dos recorrentes, que culminou no depósito que tiveram de efetuar nestes autos da quantia de € 207.917,27, para acautelar o pagamento do preço e todos os encargos da transmissão do imóvel, em ordem à procedência desta ação de preferência (ponto 11 dos factos provados). y) Face ao exposto, negar aos AA., e aos demais inquilinos em situações semelhantes, o direito de preferirem na compra dos imóveis em que residem, pela mera circunstância dos respetivos prédios urbanos não estarem ainda constituídos em propriedade horizontal, seria uma consequência jurídica inadmissível num Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando as expetativas legítimas e juridicamente criadas “anos a fio” pelas disposições legais vigentes em matéria de arrendamento urbano e as
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