TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

19 acórdão n.º 510/16 Em suma, concordando inteiramente com a posição supra, entende este Tribunal que não tem de aplicar a norma do n.º 2 do artigo 564.º do Código do Trabalho (na redação dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), por a mesma violar o princípio da separação e independência dos órgãos de soberania, designadamente dos Tribu- nais do Trabalho, e consequentemente dos artigos 111.º e 202.º da CRP.» (fls. 196-197, vide). 2. É desta sentença que vem interposto pelo Ministério Público o presente recurso de constituciona- lidade, com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), para apreciação da norma do artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, interpretado no sentido de permitir à Administração retirar aos tribunais a função de decidir sobre os direitos dos trabalhadores com incidência retributiva, esvaziando, desse modo, as funções próprias daquele órgão de soberania.   3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi ordenada a produção de alegações. No final da sua alegação, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões: «1.ª)Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da LOFPTC, “do despacho [sentença] proferido pela Instância Central – 1.ª Secção. Trabalho – Braga – J2 que recusou a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 564.º do Código do Trabalho (redação int. pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), com fundamento na sua incons- titucionalidade por violação do princípio da separação de poderes e independência dos órgãos de soberania, designadamente dos Tribunais do Trabalho, e consequentemente dos artigos 111.º e 202.º da CRP, quando tal normativo (art.º 564.º/2, ibidem ), vem permitir que a Administração retire “…aos tribunais a função de decidir sobre os direitos dos trabalhadores com incidência retributiva, mesmo que apenas e só em sequência duma ação inspetiva, aquele órgão de soberania vê-se esvaziado das funções próprias do cumprimento da sua missão”. 2.ª)Objeto do presente recurso é a norma jurídica enunciada no artigo 564.º, n.º 2, do CT, na redação dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na medida em que concede a um ente administrativo, a ACT, em sede do processo de contraordenação, em cúmulo com a aplicação da coima, a competência para emitir uma “ordem de pagamento dos quantitativos em dívida ao trabalhador”. 3.ª)A aplicação de coimas e de sanções acessórias por entes administrativos, em sede do processo de contraor- denação, desde que esteja ressalvada a reserva da via judicial em via de recurso, nomeadamente quanto à decisão de aplicação das coimas, é constitucionalmente conforme, como de há muito está reiteradamente estabelecido na jurisprudência constitucional. 4.ª)A “ordem de pagamento” em causa consubstancia uma sanção, não “punitiva” mas antes “reconstitutiva”, mas sempre uma sanção, aliás em conformidade com o sentido geral da “segunda geração” do regime legis- lativo das medidas de defesa da legalidade democrática, em que com as sanções “punitivas” são cumuladas as sanções “reconstitutivas”, em sede do “cumprimento do dever omitido”, pelo que é plausível admitir que a sentença recorrida, em sede de igualdade de razões, tomaria como constitucionalmente conforme a compe- tência atribuída pela norma jurídica constante do artigo 564.º, n.º 2, do CT. 5.ª)Por outra parte, em certo sentido o argumento da sentença recorrida prova de mais, pois por igualdade de razão igualmente se afrontaria a Constituição com a concessão a entes da administração pública de poderes sancionatórios, que a sentença recorrida, acertadamente, toma por adquiridos e constitucionalmente legiti- mados, por isso que tais poderes sancionatórios, segundo a definição constitucional da função jurisdicional, integram a “repressão da legalidade democrática”, a par da competência para “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, e como tal, segundo a lógica e teleologia da tese agora refu- tada, a atribuição de tal competência representaria igualmente uma usurpação da dita função.

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