TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL […]”, alteração que foi entendida, por uma parte da doutrina e da jurisprudência, como visando afastar a interpretação expansiva da preferência do arrendatário de parte de um prédio urbano, que não está constituído em propriedade horizontal. A partir do RAU, segundo tal doutrina, seria negado ao arrendatário, nesse caso, o exercício do direito de preferência na alienação da totalidade do prédio. Tal entendimento não era, todavia, unânime, tal como não o era o entendimento contrário no quadro da Lei n.º 63/77. V – Não cabendo ao Tribunal Constitucional tomar posição sobre a melhor interpretação do direito infra- constitucional, a norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo prédio, só pode ser afastada por este Tribunal se se concluir que a Constituição impõe solução diversa, ou seja, que alguma norma ou princípio constitucional obriga ao reconhecimento do direito de preferência na hipótese descrita, correspondente à chamada “teoria expansionista”. VI – A interpretação normativa indicada no ponto anterior não viola o princípio da igualdade, pois não pode afirmar-se igual a situação do arrendatário de uma parte de um imóvel com autonomia jurídi- ca – designadamente, uma fração autónoma – e a do arrendatário de uma parte de um imóvel não autonomizada, desde logo porque a igualdade não pode aferir-se por referência ao mais simplificado plano de facto, mas à situação global complexa de facto e de direito. VII – No aludido plano, não estamos perante a mesma situação num caso em que o arrendamento incide sobre um objeto cujo domínio pode ser autonomamente transacionado e num caso em que incide sobre parte não autonomizada de um imóvel. A atribuição do direito de preferência a favor do arrendatário visa proporcionar o acesso à propriedade a quem beneficia já de um direito de gozo prolongado sobre o imóvel, com o que daí vem implicado de estabilidade na habitação, mas – até a essa luz – não pode dizer-se que há igualdade na situação de aquisição do espaço de habitação e na situação de aquisição de maior superfície, incluindo área que não correspondia à anterior habitação. VIII– O objeto da propriedade não tem, forçosamente, que coincidir com o objeto do arrendamento, tra- tando-se de direitos de natureza diferente, podendo o legislador exigir que a propriedade tenha por objeto uma realidade física e jurídica unitária com certas características, não se fazendo sentir as mes- mas exigências no caso de locação. Mostrando-se razoável a exigência da autonomia jurídica da coisa para que possa constituir objeto de um negócio translativo da propriedade, é também razoável que o direito de preferência a partir do arrendamento se projete por referência à mesma unidade jurídica, sendo ele tendente à aquisição do direito real. IX – Não estando vedado ao legislador a previsão, como objeto da preferência, de um direito tão amplo como aquele que resulta da atuação da teoria expansionista, a circunscrição desse objeto nos termos resultantes da chamada teoria do local também não está vedada, pois a distinção de regimes envolvida nesta última opção não se apresenta arbitrária ou carecida de fundamento racional na diferenciação das situações envolvidas: as que, no quadro de uma pretensão de exercício da preferência pelo arren- datário habitacional, podem conduzir a um tratamento diferenciado de quem é confrontado com a
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