TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Porque este tribunal decidiu de acordo com o decidido pelo tribunal recorrido, considerou que existia um lapso material ao nível do dispositivo quanto aos termos da condenação dos arguidos e determinou a correção da decisão de acordo com o que resulta do texto da própria decisão recorrida que assumiu a posição que foi, afinal, confirmada por este tribunal de recurso quanto à existência de um concurso aparente de contraordenações. Não tem, assim, qualquer fundamento vir invocar excesso de pronúncia deste tribunal quanto a tal correção pois ainda que se considere que a mesma extravasa os limites da correção da sentença previstos no artigo 380.º do CPP, o que não se concede por tal correção não importar qualquer modificação na decisão recorrida, muito menos modificação essencial, sempre a mesma se impunha em consequência do decidido por este tribunal quanto à questão do concurso, suscitada pelo Ministério Público no seu recurso. […] [N]ão se vislumbra que este tribunal tenha efetuado qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos na medida em que, ao julgar improcedente o recurso do Ministério Público, confirmou a decisão recorrida quanto à questão de os recorrentes só poderem ser punidos pela prática de uma contraordenação prevista na primeira parte da alínea g) do artigo 211.º do RGICSF, tal como fez o tribunal recorrido, pelo facto de existir um concurso apa- rente entre esta norma e a segunda parte da mesma alínea, com base na qual era imputada aos arguidos a prática de uma outra contraordenação, em concurso efetivo […]”. 4.1.2. Feito este enquadramento, importa, ainda, afirmar que o designado “fundamento alternativo” que põe em causa a utilidade do recurso deve ser “autónomo” e fundar-se num “juízo efetivo e definitivo” (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização…, cit., p. 63). Ora, lida em todo o contexto descrito no item anterior, não se vê como se possa qualificar de outro modo a afirmação do Tribunal da Relação no sentido de que a mesma solução (de não se verificar nulidade por excesso de pronúncia) “[…] se impunha em consequência do decidido por este tribunal quanto à questão do concurso, suscitada pelo Ministério Público no seu recurso”. Ou seja, é inequívoco que tal afirmação não é lateral ou complementar, mas que constitui um verdadeiro critério alternativo de decisão, como tal expres- samente assumido pelo pronunciamento judicial. Tenha-se presente, quanto à distinção entre ratio decidendi e obiter dictum num pronunciamento judicial – precisamente desta distinção aqui se trata –, corresponder a ratio decidendi “[…] a uma decisão, expressa ou implicitamente afirmada por um juiz, que se assume como suficiente para resolver uma determinada questão de direito colocada pelas partes, no quadro da justificação dessa decisão (ou como uma das justificações alternativas dessa decisão) […]” [Neil MacCormick, “ Why Cases Have Rationes and What These Are ”, in Precedent in Law , Laurence Goldstein (ed.), Oxford, 1991, p. 170]. Na presente situação, uma eventual procedência do recurso interposto pelas ora reclamantes conduziria a que a Relação, vendo afastada a norma do artigo 380.º, n. os 1 e 2, do CPP, mantivesse a decisão por enten- der que a mesma decorria do âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público. Para, eventualmente, podermos concluir de modo diverso, teríamos que acompanhar os reclamantes na sua pretensão de que a retificação exorbitava o âmbito do recurso do Ministério Público. No entanto – e é este um ponto decisivo – tal percurso argumentativo escapa à competência do Tribunal Constitucional. A interpretação das normas processuais realizada pelo Tribunal da Relação, que conduziu a uma certa delimita- ção do objeto do recurso interposto pelo Ministério Público, de modo a considerar que nele estava contida a pretensão de modificação do dispositivo da sentença nos precisos termos determinados na decisão recorrida é um resultado hermenêutico que o Tribunal Constitucional não pode sindicar. Alterá-lo significaria, desde logo, interferir diretamente na decisão de mérito quanto à nulidade suscitada, sendo certo que – ao contrário do que afirmam as reclamantes – não estamos perante um caso “manifesto” de um tribunal a decidir fora do objeto do processo, nem qualquer destas questões se confunde com aquela que foi enunciada no reque- rimento de interposição do recurso.
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