TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

167 acórdão n.º 578/16 própria imputação dolosa que lhe foi dirigida, a Arguida continua a reputar a mesma como absolutamente infundada. 50. Em qualquer caso, a nova delimitação temática — a nova configuração do objeto — do presente processo teve um efeito gravemente desestruturador da Defesa da Arguida, implicando que a mesma deixasse de conseguir perceber aquilo em relação ao qual podia e devia defender-se, nomeadamente em matéria de imputação dolosa.      Avancemos então para as razões jurídicas da presente Reclamação: 51. Em primeiro lugar, o Acórdão n.º 72/05 do Tribunal Constitucional (que, no essencial, constitui o fun- damento da solução sumariamente sustentada pelo Tribunal Constitucional a propósito da presente questão de inconstitucionalidade normativa) não analisa, especifica e diretamente, a questão de inconstitucionalidade norma- tiva agora colocada sub judice . 52. Em segundo lugar, aquele mesmo Acórdão n.º 72/05 do Tribunal Constitucional, para além de não analisar direta e especificamente a questão agora em causa, também não impõe, sequer mediata e indiretamente, a solução que acabou por ser sumariamente sustentada pelo Tribunal Constitucional. 53. Ou seja, todas as afirmações desse mesmo Acórdão são perfeitamente compatíveis com a posição sustentada pela Arguida E., a saber: mesmo quanto a crimes que não exijam o dolo específico, pode existir uma alteração substancial dos factos, não apenas quando se verifica uma alteração do tipo de infração em causa, mas também quando, mantendo-se inalterado tal tipo de infração, se verifica uma alteração essencial da imagem social do facto imputado ao arguido, 54. Podendo, em certas situações, tal alteração essencial da imagem social do facto imputado ao arguido resul- tar da alteração da motivação não-típica para a prática da infração.  55. De onde resulta que a afirmação, geral e abstrata, e válida portanto a priori para todos os casos — afirma- ção essa que resulta da interpretação normativa agora colocada em crise — no sentido de que não existe alteração substancial dos factos quando ela consiste na alteração da motivação do agente para a prática da infração contraor- denacional, mantendo-se esta inalterada, sem que o tipo legal exija o dolo específico, 56. Redunda em interpretação normativa violadora da Constituição, nos termos já referidos no texto do Recurso para o Tribunal Constitucional apresentado pela Arguida e que seriam melhor desenvolvidos nas Alega- ções que a Arguida julga ter direito de apresentar nos presentes autos.   57. Em conclusão: na medida em que o fundamento apresentado pelo Tribunal Constitucional para funda- mentar, a este propósito, a sua Decisão Sumária não é unívoco e categórico, antes sendo compatível com a solução que a Arguida pretende defender, justifica-se que se permita que a Arguida apresente a sua perspetiva do problema, contribuindo para a discussão do mesmo, através da apresentação das suas Alegações. 58. Por fim, não se pode aceitar a afirmação constante do parágrafo final de p. 44 da Decisão Sumária, no sen- tido de que «um entendimento com a rigidez propugnada pelos recorrentes, conduziria, seguramente, à ineficácia do sistema de perseguição e punição dos comportamentos contraordenacionais». 59. O entendimento que a Arguida E. reputa de inconstitucional é que redunda numa solução rígida e inflexí- vel, sem qualquer consideração pelas especificidades do caso concreto, determinando, em todas os casos, de forma geral e abstrata, a não existência de alteração substancial dos factos quando ela consiste na alteração da motivação do agente para a prática da infração contraordenacional, mantendo-se esta inalterada, sem que o tipo legal exija o dolo específico. 60. Ao invés, a solução propugnada pela Arguida revela-se flexível e respeitadora das especificidades da reali- dade sub judice , pois permite que o Tribunal avalie o caso concreto e verifique, para além da questão da exigência ou não de dolo específico e da manutenção ou alteração do tipo legal imputado, se a imagem social do facto foi de tal forma adulterado que passou a ser um facto completa e radicalmente diferente. 61. Nessa medida, tratando-se aqui de uma questão que não é suscetível de ser decidida sumariamente, deve a Decisão Sumária reclamada ser revogada e substituída por uma outra que determine a notificação da Arguida para, querendo, apresentar as suas Alegações, com todas as consequências legais.   […]”.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=