TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o mesmo enquadramento jurídico dos factos, não implica qualquer torção da estrutura acusatória do processo ou dos direitos de defesa dos arguidos». 39. No essencial, e para fundamentar tal conclusão, o Tribunal Constitucional invoca a jurisprudência que decorre do Acórdão n.º 72/05 do Tribunal Constitucional. 40. Ora, neste caso, o Tribunal Constitucional não estava autorizado a adotar imediatamente uma Decisão Sumária sobre esta questão, sem notificar previamente a Arguida E. para, querendo, apresentar as suas Alegações, 41. Uma vez que não se pode dizer que «a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada» (cfr. artigo 78.º-A da LTC). Preliminarmente, 42. Antes de se apresentar as razões pelas quais a presente Reclamação deve ser deferida e, em consequência, revogada a Decisão Sumária do Tribunal Constitucional, é necessário sublinhar, de forma breve, que esta questão de inconstitucionalidade normativa afeta profundamente a avaliação da alegada responsabilidade da Arguida E. 43. Com efeito, na Decisão final do Banco de Portugal, a Arguida E. vinha acusada de ter conhecimentos dos alegados prejuízos, perdas e desvalorizações associados aos investimentos em causa nos presentes autos, por força da sua participação no Comité Financeiro do Banco A. e, como tal, de ter participado dolosamente numa estratégia de ocultação dos mesmos. 44. Ao longo de todo o processo, a Arguida E. centrou a sua Defesa na demonstração de que tal conhecimento não existia, não só porque os prejuízos, perdas e desvalorizações não existiam, mas também porque a Arguida, à data dos factos, não fazia parte do Comité Financeiro do Banco A. 45. Ora, depois de ter apresentado a sua Defesa e sustentado a mesma no Banco de Portugal e junto do Tribu- nal da Concorrência, Regulação e Supervisão, ao longo de cerca de 3 anos, e em dezenas de sessões de produção de prova, a Arguida é surpreendida, ao cair do pano, pela imputação de um facto completamente diferente daquele para o qual tinha preparado a sua Defesa: não existiam afinal quaisquer perdas, prejuízos e desvalorizações nos produtos em causa (pelo que a questão da eventual participação da Arguida no Comité Financeiro do A. deixou de ser relevante, e nem sequer foi analisada pelo Tribunal de primeira instância), sendo certo que aquilo que alegadamente justificou o comportamento dos arguidos teria sido o ambiente de crise dos mercados financeiros internacionais. 46. Ora, a imputação deste facto radicalmente novo à Arguida E. desestruturou completamente toda a sua Defesa! 47. Basta ver por exemplo que, na versão anterior dos factos que lhe eram imputados, o suposto dolo da Arguida resultava do alegado conhecimento da existência de prejuízos, perdas e desvalorizações nos instrumentos financeiros, por força da sua participação no Comité Financeiro do A. (que aliás era falso!); 48. Ao abrigo da nova versão dos factos que lhe foram imputados a posteriori, e na medida em que a Arguida E. apenas tinha competência sobre o pelouro jurídico e sobre o back-office que formalizava e registava as operações, não tendo portanto qualquer contacto direto com os tais mercados financeiros internacionais, o dolo da arguida passou a resultar, no essencial, da sua suposta larga experiência como administradora do Banco! 49. Aliás, tal construção do dolo da Arguida — com base nos factos novos que lhe foram imputados na vigésima quinta hora do processo — foi objeto de recurso de inconstitucionalidade normativa para o Tribu- nal Constitucional (cfr. ponto 2. do Recurso de E. para o Tribunal Constitucional, que estando relacionado com os limites normativos do artigo 127.º do CPP e do princípio da livre apreciação da prova, em especial o limite que resulta do princípio do in dubio pro reo , tinha subjacente a questão do alegado dolo da arguida). O Tribunal Constitucional recusou conhecer dessa mesma questão na sua Decisão Sumária (cfr. ponto 2.3). Ora, a Arguida E. não apresenta agora Reclamação contra essa específica decisão de não conhecimento, ape- nas, porque aceita o entendimento do Tribunal Constitucional no sentido de que os pressupostos processuais da interposição de um recurso de inconstitucionalidade não estão in casu preenchidos. Contudo, quanto à
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