TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 78. A este propósito, é aliás de notar que no Parecer do Senhor Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, junto aos autos em outubro de 2015, já se assinalava que se tratava de uma «alteração significativa e relevante» que «deixou marcas e nuances profundas no rosto daquele “pedaço de vida”. Em termos tais que, mesmo que dele se pudesse dizer que era o mesmo objeto, dele bem poderia também dizer-se o que Eneias disse de Heitor. Que, depois dos golpes sofridos pela espada de Aquiles, permanecia seguramente o mesmo mas … quantum mutatus ab illo !» — cfr. p. 5. 79. Por outro lado, afirma ainda o referido Acórdão n.º 72/05 do Tribunal Constitucional que não é censurável constitucionalmente o entendimento que sustenta não se tratar de alteração substancial dos factos «aquelas alterações de factos, relativas a aspetos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes, isto é, que se não apresentem «com relevo para a decisão da causa» (pág. 44). 80. Desta passagem citada, percebe-se que quando o Acórdão em causa refere «aquelas alterações de factos … irrelevantes para a verificação da factualidade típica», não pretende significar que apenas a alteração dos factos que sejam elementos constitutivos do tipo pode constituir uma alteração substancial dos factos, 81. Desde logo porque o critério essencial é o da «relevância para a decisão da causa». 82. Como tal, também nesta parte, se deve concluir que o Acórdão invocado pela Decisão Sumária agora reclamada não afasta a possibilidade de se entender que — conforme defendem os arguidos — a decisão sobre a existência, ou não, de uma alteração substancial de factos, depende sempre da análise específica da imagem social do facto em causa e do impacto dessa alteração nos direitos de defesa, 83. De onde resulta que a afirmação, geral e abstrata, no sentido de que não existe alteração substancial dos factos quando ela consiste na alteração da motivação do agente para a prática da infração contraordenacional, mantendo-se esta inalterada, sem que o tipo legal exija o dolo específico, redunda em interpretação normativa violadora da constituição.   84. Em terceiro lugar, não se pode aceitar a afirmação constante do parágrafo final de p. 44 da Decisão Sumá- ria, no sentido de que «um entendimento com a rigidez propugnada pelos recorrentes, conduziria, seguramente, à ineficácia do sistema de perseguição e punição dos comportamentos contraordenacionais». 85. É exatamente o contrário! 86. O entendimento agora sustentado pelo Tribunal Constitucional é que redundaria numa solução rígida e inflexível, sem qualquer consideração pelas especificidades do caso concreto, determinando a priori , em todas os casos, de forma geral e abstrata, a não existência de alteração substancial dos factos quando ela consiste na alteração da motivação do agente para a prática da infração contraordenacional, mantendo-se esta inalterada, sem que o tipo legal exija o dolo específico, 87. E mesmo quando tal alteração «deixou marcas e nuances profundas no rosto daquele ‘pedaço de vida’. Em termos tais que, mesmo que dele se pudesse dizer que era o mesmo objeto, dele bem poderia também dizer-se o que Eneias disse de Heitor. Que, depois dos golpes sofridos pela espada de Aquiles, permanecia seguramente o mesmo mas… quantum mutatus ab illo !» — cfr. Parecer anteriormente citado. 88. Ao invés, a solução propugnada pelos arguidos permite que o Tribunal avalie o caso concreto e verifique, para além da questão exigência ou não de dolo específico e da manutenção ou alteração do tipo legal imputado, se a imagem social do facto foi de tal forma adulterado que passou a ser um facto completa e radicalmente diferente ( quantum mutatus ab illo !). 89. Face ao exposto, por se entender que a questão de inconstitucionalidade normativa agora em causa não é suscetível de ser decidida de forma sumária — pois a solução da mesma não resulta de forma unívoca, categórica e indiscutível dos fundamentos apresentados pelo Tribunal Constitucional —, requer-se que a Decisão Sumária agora reclamada seja revogada e substituída por outra que determine a notificação dos Arguidos para apresentarem as suas Alegações, com as consequências legais.  […]”. 1.5.4. Em resposta a esta reclamação, o Ministério Público pronunciou-se nos termos seguintes:

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