TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 54. Ou seja, Nuno Brandão critica severamente a conceção que entende que a diferença entre os ilícitos crimi- nais e os ilícitos contraordenacionais resulta de uma maior ou menor ressonância ética e axiológica do comporta- mento subjacente ao tipo da infração. 55. O autor em causa entende, ao invés, que a diferença estrutural, em termos substantivos e processuais, entre crimes e contraordenações, apenas pode resultar do próprio sistema de sanções instituído para cada um dos ilícitos. 56. Em conclusão: é manifesto que esta questão necessita de maior ponderação, análise e discussão — nomea- damente, discussão com os Arguidos, permitindo que estes possam explanar a sua visão do problema nas compe- tentes Alegações – desde logo, porque os fundamentos que o Tribunal Constitucional apresentou muito sintética e espremidamente nesta Decisão Sumária, nem sequer são congruentes entre si. 57. Em terceiro lugar, não é correto afirmar que, da doutrina de Nuno Brandão — citada de forma expressa pelo Tribunal Constitucional –, resulte diretamente a solução que o Tribunal Constitucional agora pretende suma- riamente fazer valer. 58. O que Nuno Brandão indiscutivelmente defende é que, embora a impossibilidade de aplicação de medidas privativas da liberdade implique que parte dos princípios constitucionais-penais não se possam aplicar ao ilícito de mera ordenação social, «não quer isto significar, como é evidente, que o processo das contraordenações não deva ser legalmente conformado e concretamente materializado como um processo equitativo orientado pelo princípio do Estado de direito» (pág. 879). 59. Ora, aquilo que os Arguidos pretendem discutir agora, perante o Tribunal Constitucional, através das suas alegações, é se a valoração em fase judicial de depoimentos de testemunhas e declarações de coarguidos prestados na fase administrativa corresponde, ou não, a essa ideia de «processo equitativo orientado pelo princípio do Estado de Direito». 60. Com o devido respeito, os Arguidos não encontram essa discussão feita, de forma específica e com a pro- fundidade suficiente, em nenhum ponto da doutrina ou da jurisprudência, pelo que não compreendem como é possível que o Tribunal Constitucional se tenha abalançado para uma Decisão Sumária nesta matéria, sem permitir que os Arguidos apresentassem, através de Alegações, a sua visão do problema. 61. Em quarto lugar, com o devido respeito, parece aos Arguidos que a questão da valoração, em julgamento, de declarações orais prestadas na fase administrativa (que é, antes de mais, um problema de imediação), tem de tomar em consideração, necessariamente, o significado político-sistémico e jurídico-processual que, no âmbito das contraordenações, assume a possibilidade de decisão judicial por mero despacho, a qual depende sempre de não oposição do arguido. 62. Com efeito, poder-se-ia entender que as restrições ao princípio da imediação no âmbito do processo de contraordenação justificam-se, em primeira linha, nas situações em o juiz decide por despacho sem realizar julga- mento, sem oposição do arguido, deixando de se justificar naquelas outras situações em que se avança para a sala de audiência e julgamento. Será assim? 63. Em qualquer caso, parece aos Arguidos que a discussão sobre o eventual aproveitamento judicial das provas oralmente produzidas na fase administrativo do processo, não pode dispensar uma análise séria e ponderada desse momento absolutamente determinante para a compreensão do sistema contraordenacional que é a possibilidade de o juiz decidir sem produção de novas provas e a possibilidade de o arguido se opor a tal possibilidade. 64. Era exatamente nesse sentido que os Arguidos tinham já pensadas e alinhavadas as suas Alegações, as quais se consideram relevantes para a boa decisão da causa. 65. Em quinto lugar, parece aos arguidos que esta questão normativa apresenta um elevadíssimo valor prático, constituindo um problema fulcral e central para a boa decisão dos processos de contraordenação, pelo que os arguidos consideram que, também atendendo ao seu impacto processual significativo, se justificaria uma melhor ponderação do problema, através da notificação dos Arguidos para apresentarem as suas Alegações, o que aliás se requer expressamente. 66. Face ao exposto, por se entender que as questões de inconstitucionalidade normativa agora em causa não são suscetíveis de serem decididas de forma sumária, requer-se que a Decisão Sumária agora reclamada seja
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