TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
130 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL encontros havidos entre os encobertos e os suspeitos a fim de no momento da inquirição do agente encoberto a defesa deles se poder socorrer para exercer o contraditório”. Ora, a norma mencionada, também não foi aplicada nesta interpretação pelo tribunal recorrido. De facto, refere a decisão da Relação de 6 de maio de 2015 o seguinte: “para além de ter sido inquirido em audiência de julgamento o «agente encoberto» (…), foi junto não só certidão do relatório da ação encoberta, como do próprio anexo «confidencial» da ação encoberta”, desconhecendo-se a existência de “outras peças processuais da “ação encoberta””. Decorre, assim, da passagem transcrita, que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a Relação considerou que foram juntas todas as peças processuais atinentes à “ação encoberta” e cuja existência era conhecida. Na passagem ora transcrita pelo recorrente na resposta às contra-alegações do Ministério Público constitui um simples obiter dictum , que se inicia com uma hipótese levantada pelo próprio tribunal: “ a existirem outras peças da ação encoberta , as mesmas não tinham que ser juntas ao processo, uma vez que, como se disse, a lei apenas dispõe que a autoridade judiciária só ordena a junção aos autos do Relato da ação encoberta e, mesmo, assim, quando o reputar de absolutamente indispensável (..)” (itálico acrescentado). Assim, é apenas a título de hipótese que o Tribunal se refere ao entendimento aqui em análise. Resta concluir que não decorre dessa decisão o entendimento de que os relatos conhecidos que consubs- tanciam os encontros ocorridos entre os agentes encobertos e os suspeitos não foram todos juntos aos autos. Foi esse o juízo do Tribunal da Relação, que, por respeitar à suficiência dos elementos de prova referentes ao caso concreto, se apresenta como um dado que ao Tribunal Constitucional não incumbe sindicar. 14. Por seu turno, a segunda questão de constitucionalidade refere-se também à norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 101/2001, mas agora na interpretação de que “os elementos juntos aos autos são selecio- nados pela Polícia Judiciária e não segundo o critério do juiz, tendo para tal que a ação encoberta ser entregue na totalidade ao tribunal e este, após ponderar os vários interesses, ordenar a junção aos autos dos elementos necessários à acusação e à defesa do arguido”. Ora, tem razão o Ministério Público quando alega que esta interpretação nunca se poderia ancorar no artigo 4.º, em qualquer dos seus números. Tal norma limita-se a regular a junção ao processo do relato existente, estabelecendo que só deverá ser ordenada a sua junção se se reputar absolutamente indispensável em termos probatórios. Como o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de referir, o fim do artigo 4.º consiste na proteção do agente encoberto, determinando, assim, que o relatório da ação encoberta apenas se junta aos autos se e quando isso for julgado indispensável (Acórdão n.º 3/14). Assim, a interpretação questionada nunca poderia residir em qualquer interpretação do referido artigo 4.º. Quando muito, estaria em causa a norma constante do n.º 6 do artigo 3.º, nos termos da qual “a Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela”. Por fim, sempre se acrescentará, mais uma vez, que o entendimento de acordo com o qual “os elementos juntos aos autos são selecionados pela Polícia Judiciária e não segundo o critério do juiz” não corresponde ao adotado pelo Tribunal da Relação do Porto. Em nenhuma passagem dos acórdãos desse Tribunal decorre, expressa ou implicitamente, ter o mesmo adotado a interpretação de que os elementos junto aos autos são selecionados pela Polícia Judiciária, ao invés de o serem pelo juiz. Tanto assim é que – repete-se – foi deter- minada, pelo tribunal, a junção de vários elementos de prova (certidão do relatório da ação encoberta, como do próprio anexo «confidencial» da ação encoberta), bem como depoimento do agente encoberto. Assim, também a presente questão não tem qualquer correspondência nem no teor da norma imputada de inconstitucional, nem nos fundamentos que presidiram à decisão proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de maio de 2015. Tanto basta para, por esse facto, não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso.
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