TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabi- lidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos poderes públicos. Segundo a prática do Tribunal sintetizada no Acórdão n.º 575/14, a aplicação daquele método a um caso concreto pressupõe, antes do mais, que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão, haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que confiaram na inexistência da projeção sobre o passado dos efeitos das novas decisões legislativas. E essa valo- ração só pode incidir sobre a consistência das posições jurídicas subjetivas definidas à luz do direito anterior, e que vêm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na não disrupção, da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos. A sua densidade não advém de uma qualquer pré-disposição, anímica ou psicológica, para antecipar men- talmente a iminência ou o risco das alterações legislativas; a sua densidade advém do tipo de direitos de que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora. O ponto é importante, uma vez que, como se disse no Acórdão n.º 862/13, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente deverá ser o controlo da proteção da confiança. Assim, a metódica a seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses con- trapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas (cfr. Acórdão n.º 862/13). Os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas cons- tituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expec- tativas fundadas; mas a esse interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social. Caso os dois grupos de interesses e valores sejam reco- nhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer. O método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa» (cfr. Acórdão n.º 287/90). 5.1. Ora, no caso concreto, verifica-se que a medida fiscal em análise não afetou para o passado os direi- tos dos respetivos sujeitos passivos; apenas determinou, atento o seu caráter periódico e a continuidade das relações jurídicas sobre que incide, um encargo adicional a pagar futuramente em virtude da titularidade de certos direitos reais, independentemente do momento em que tal titularidade se tenha iniciado. Na verdade, como a doutrina e a jurisprudência constitucional têm afirmado, «o exercício, por parte do Estado, do poder de tributar não pode ser concebido como uma afetação ou restrição de direitos fundamentais, face à qual seja legítimo invocar o regime dos requisitos ou exigências que valem, constitucionalmente, para as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Isto mesmo decorre, desde logo, da existência da (impropriamente) cha- mada «constituição fiscal», na qual se definem as garantias dos contribuintes, os princípios formais e mate- riais que conformam o conceito constitucional de imposto, e a configuração deste último não como afetação de um direito mas antes como obrigação pública de todos os cidadãos, quando constituída nos termos do artigo 103.º da CRP» (cfr. o Acórdão n.º 846/14). Por outro lado, ao adotar aquela medida fiscal, o legislador apenas agiu em conformidade com o dis- posto no artigo 104.º, n.º 4, da Constituição: a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. Considerando que esta ideia de “contribuição” é, em si mesma, dinâmica – o valor relativo da contribuição para a igualdade é variável em função não apenas das conjunturas económicas, mas também dos modelos de redistribuição da riqueza ativamente prosseguida pelo poder político-legislativo –, não pode dizer-se que exista um qualquer “direito” (ou expectativa) a não ver aumentado o peso relativo ou absoluto da

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