TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL análise é a titularidade de certos direitos reais sobre imóveis com valor patrimonial igual ou superior a 1 milhão de euros, tratando-se de um imposto assente sobre uma relação jurídica duradoura liqui- dado anualmente – em 31 de dezembro de cada ano; no caso vertente, a liquidação reporta-se ao ano de 2014 – o ano subsequente ao da publicação da alteração legislativa que incluiu os terrenos para construção em determinadas condições no plano de incidência do imposto. IV – Quanto à tutela constitucional da segurança jurídica e da confiança, que emanam do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, ela é evidente nos casos de leis retroa- tivas – proibidas no domínio fiscal –, mas não está ausente em todos os outros casos em que a lei nova projeta os seus efeitos sobre situações constituídas no passado; quanto às normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva» o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança, considerando que para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direi- tos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade); aqueles dois critérios são reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”, que são de verificação sucessiva e cumulativa: em primeiro lugar, que os poderes públicos (mormente aqueles que detêm competências normativas) tenham enceta- do comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade dos comportamentos geradores de expectativas; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que jus- tifiquem, em ponderação, a não continuidade do ou dos comportamentos que geraram a situação de expectativa. V – No caso concreto, a medida fiscal em análise não afetou para o passado os direitos dos respetivos sujei- tos passivos, tendo apenas determinado, atento o seu caráter periódico e a continuidade das relações jurídicas sobre que incide, um encargo adicional a pagar futuramente em virtude da titularidade de certos direitos reais, independentemente do momento em que tal titularidade se tenha iniciado. VI – Por outro lado, ao adotar aquela medida fiscal, o legislador apenas agiu em conformidade com o disposto no artigo 104.º, n.º 4, da Constituição: a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos; considerando que esta ideia de “contribuição” é, em si mesma, dinâmica, não pode dizer-se que exista um qualquer “direito” (ou expectativa) a não ver aumentado o peso rela- tivo ou absoluto da tributação do património no conjunto das receitas fiscais; inexiste uma valoração igual por parte da Constituição dos dois grupos de interesses e valores em presença: titularidade do património, maxime o direito de propriedade, e a promoção da igualdade entre os cidadãos por via da tributação do património, sendo esta, justamente, segundo o programa constitucional, uma das vias para prosseguir este último desiderato, sem prejuízo, naturalmente, do respeito pelos demais princípios constitucionais aplicáveis neste domínio, como os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade. VII – Segundo a Constituição os titulares de património devem, prima facie , contar com a tributação do mesmo em vista da promoção da igualdade entre os cidadãos; inexiste, portanto, uma qualquer expec- tativa de que o património de que já se é titular não vir a ser mais tributado no futuro, pelo que falha
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