TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a que é afetado o espaço marítimo e os parâmetros a que ela obedece não contendem com poderes contidos na titularidade do Estado e que só por este possam ser exercidos. Na verdade, o artigo 27.º (“conflito de usos ou de atividades”) do Decreto-Lei n.º 38/2015 torna claro que, «desde que estejam assegurados os valores singulares de biodiversidade identificados, o bom estado ambiental do meio marinho e o bom estado das águas costeiras e de transição», os critérios para a escolha de um uso ou atividade em detrimento de outro ou outra são sobretudo económicos e sociais (por exemplo, a “criação de número de postos de trabalho” ou a “viabilidade económica do projeto”). Não se vislumbra, no elenco aí contido, nenhum parâmetro que deva ser avaliado, em último termo, pelos órgãos do Estado, sob pena de se frustrar as finalidades que justificam a dominialização dos bens em causa. Todas as matérias elencadas são, certamente, do interesse do Estado (do todo nacional), mas também o são, e em primeira linha, da Região. Não se trata – convém sublinhá-lo – de o Estado abdicar dos poderes em causa, mas somente de par- tilhar o seu exercício. Aceite a premissa de que as competências em causa não estão reservadas ao Estado, daí não se segue que elas passem a pertencer em exclusivo à Região, mas apenas que esta tem o direito de as exercer em conjunto ou no quadro de uma gestão partilhada, como se prevê nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. À luz da ideia retora que percorre todo o artigo 8.º, de só reservar para a competência exclusiva do Estado os poderes que se prendam com funções de soberania, não parece que o entendimento restritivo de que os poderes de gestão a partilhar sejam apenas os de execução ou tramitação de atos administrativos, em aplicação de critérios predefinidos por instrumentos de ordenamento aprovados a nível estadual, corres- ponda ao sentido da cooperação na gestão do espaço marítimo adjacente às regiões autónomas que aquele preceito veio consagrar. No âmbito dos poderes de gestão, para esse efeito, devem ser compreendidos os poderes, materializados nos planos de situação e de afetação, de distribuição de atividades essencialmente apontadas para o aproveitamento económico dos bens. Neste contexto, estando apenas em causa a definição e conformação das utilidades a explorar, o conceito de “ordenamento” não pode ser separado do de “gestão”, sendo antes um primeiro (e determinante) instrumento desta. O legislador da República possui, certamente, uma ampla margem de estipulação na definição, em concreto, do modelo de gestão partilhada previsto nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Estas disposições impõem que exista uma efetiva partilha de poderes entre os órgãos do Estado e da Região, mas, além de essa partilha poder tomar formas diversas, só é imposta em relação à globalidade das competências gestionárias, não a respeito de todo e qualquer poder aí subsumível. O juízo de compatibilidade terá, portanto, de ter em conta a arquitetura geral do regime e não cada competência tomada isoladamente. Mas, a bem ver, nenhuma competência propriamente partilhada ou exercida em conjunto se prevê, mas antes uma separação de níveis de intervenção: os planos de situação e de afetação são aprovados pelo Governo e os poderes de atribuição de títulos de utilização privativa pertencem à Região. Tudo indica que, na ótica do Autor das normas, seria pela junção das competências atribuídas nestas duas esferas separadas de intervenção que se obteria a satisfação das exigências contidas nas normas em apreciação. Mas, se é essa a justificação, ela não merece concordância. O poder de planear e ordenar o espaço marí- timo não pode ser subtraído à exigência de partilha contida nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Pondo de lado aquelas matérias que, como vimos, são da competência exclusiva do Estado, teria de ser garantido que os interesses da Região – por exemplo, os elencados no artigo 27.º, n.º 2 –, tal como definidos pela pró- pria Região, são efetivamente tidos em conta no âmbito do ordenamento marítimo e, portanto, ao nível do conteúdo dos planos de situação e de afetação. De contrário, não se pode afirmar que os poderes de gestão em causa sejam exercidos em conjunto ou no quadro de uma gestão partilhada, não se cumprindo, assim, o conteúdo mínimo imposto pelos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Deste modo, tudo está em saber se o regime constante do Decreto-Lei n.º 38/2015, no atinente à ela- boração e aprovação dos planos de situação e de afetação, dá à Região um grau de participação suficiente a possibilitar um exercício autenticamente partilhado de competência ordenadora.
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