TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

87 acórdão n.º 136/16 Dito isto, não ignoro que se encontra atribuído ao Estado o monopólio da titularidade dos bens do domínio público marítimo. Mas estou convencido que é uma má opção. Entendo que a expansão dominial, por controversa que seja, deveria ser acompanhada do reconhecimento de que é indispensável, sem pôr em causa a soberania do Estado e as funções de autoridade que este exerce no mar português – nomeadamente nos planos da vigilância, segurança e polícia –, garantir a existência de algum domínio público marítimo aço- riano e madeirense. A Lei Fundamental, de resto, não impõe a pertença dos espaços marítimos sob jurisdição nacional ao Estado, limitando-se a afirmar a sua integração no domínio público (artigo 84.º). Deixar as regiões autónomas sem a titularidade de qualquer domínio público marítimo consubstancia uma escolha do legislador ordinário da República: uma escolha mal explicada e insuficientemente funda- mentada, assente num simples preconceito. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto à decisão de não declarar a ilegalidade, por violação do disposto nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), das normas constantes dos artigos 12.º, 18.º, 22.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março [alínea b) da deci- são], e quanto à decisão de não declarar a ilegalidade consequente das restantes normas do mesmo diploma [alínea c) da decisão]. É inequívoco que a Região Autónoma dos Açores só pode exercer sobre as zonas do espaço marítimo nacional adjacente ao arquipélago os poderes que forem compatíveis com a integração dos bens em causa no domínio público marítimo do Estado (n.º 1 do artigo 8.º do EPARAA) e não respeitarem à integridade e soberania do Estado (n.º 3 do mesmo preceito). No âmbito do domínio público marítimo, não podem deixar de ser exercidos pelo Estado os poderes cuja transferência frustraria a finalidade que justifica a domi- nialização do bem e a sua atribuição ao Estado. Cabem neste âmbito, designadamente, os poderes de manu- tenção, delimitação e defesa do domínio. As normas dos artigos 12.º, 18.º, 22.º e 26.º versam sobre a competência para a elaboração e aprova- ção dos planos de situação e afetação – os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo previstos no Decreto-Lei n.º 38/2015. Ambos os instrumentos de ordenamento, conjugados, visam, em última instância, proceder à distribuição, pelas diversas áreas e volumes do espaço marítimo nacional, de usos e atividades, atuais ou potenciais, a exercer por entidades públicas ou privadas. Prendem-se, portanto, com a conformação da utilidade pública prosseguida pelos bens em causa. A questão decisiva neste plano é, assim, a de saber se as decisões finais quanto à “pré-definição” das utilidades fruíveis podem ficar, em exclusivo, reservadas ao Estado, ou se à Região, no quadro da gestão partilhada da zona marítima adjacente ao seu território, deve ser assegurada uma intervenção qualificada também nessa fase deliberativa da atividade planificadora. Ora, ao definir, nos termos do n.º 2 de artigo 84.º da CRP, as “condições de utilização” do espaço marítimo nacional, o legislador da República, no que se refere à zona adjacente à Região Autónoma dos Aço- res, tem que levar em conta, com o peso devido, a autonomia regional. Sendo esta uma autonomia não só administrativa mas também política, a qual, nos termos constitucionais, visa, inter alia , “o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais” (n.º 2 do artigo 225.º da CRP), não se visionam razões, em tudo o que não invada funções que só ao Estado cabe exercer, para arredar as entidades regionais de uma intervenção, quanto ao ordenamento do espaço marítimo, capaz de influenciar o sentido e o teor das decisões primárias, por força própria (não dependente, em exclusivo, da vontade de aceitação de um ente estadual). O que não pode deixar de ser assegurado é que o ordenamento com vista à prossecução de utilidades não comprometa o exercício idóneo de funções de soberania – daí todo um conjunto de limitações e condicionamentos cuja definição cabe, em exclusivo, ao Estado. Não se exclui que algumas dessas matérias se projetem sobre os planos de situação e afetação [cfr., a pro- pósito, a alínea e) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 38/2015], mas, em geral, a definição dos usos

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