TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Já quanto à alínea c) do Acórdão, em que também fiquei vencida, entendi que a ilegalidade que con- siderei existir, relativamente às normas constantes dos artigos 12.º, 18.º, 22.º e 26.º, afeta todo o diploma, ferindo-o de ilegalidade. Ainda que as restantes normas, quando em si mesmas consideradas, pudessem ser salvas de uma decisão de ilegalidade, não creio que mantivessem autonomia suficiente fora do desenho de distribuição de competências previsto pelas normas apreciadas, que considerei ilegal. – Catarina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO Tendo manifestado a minha concordância com a declaração de ilegalidade das normas do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, tal como vinha proposta no memorando apresentado pelo Presidente, não posso fazer outra coisa que não seja formalizar a minha discordância com a posição, de sentido oposto, que prevaleceu no Acórdão. Faço-o, em coerência com as minhas pré-compreensões sobre os limites da autono- mia regional e, também, quanto à natureza e razão de ser do domínio público. No que respeita às primeiras e pese embora a evolução, que tenho por positiva, da jurisprudência do Tribunal, afigura-se-me difícil de compreender que, estando em causa arquipélagos, conjuntos de ilhas, não se reconheça – que o Estado não reconheça – que o mar assume um significado e uma importância inultrapassáveis para os açorianos e os madeirenses, significado e importância que justificariam amplamente uma especial capacidade de intervenção nos assuntos a ele relativos por parte daquelas comunidades, ambas integrantes da comunidade nacional. Parecem-me inadequadas e criticáveis posições hiperdefensivas de supostos interesses do Estado, resul- tado de uma atávica tradição centralizadora – que, por vezes, na ânsia de rejeitar a existência de um mar açoriano ou de um mar madeirense, até parecem esquecer que açorianos e madeirenses também são portu- gueses –, posições que assentam numa noção restrita de âmbito regional mas se batem por uma noção exces- sivamente lata de defesa nacional – com o objetivo, assumido ou escamoteado, de limitar as capacidades de intervenção dos órgãos regionais nos assuntos do mar (e noutros domínios relevantes para as regiões). Quando estiver concluído o processo de extensão da plataforma continental, em curso no âmbito das Nações Unidas, Portugal terá jurisdição sobre um espaço marítimo sensivelmente equivalente a trinta vezes o território nacional (o 11.º maior do mundo e o terceiro da Europa), respondendo os Açores e a Madeira por cerca de três quartos de tal área. Esta circunstância deveria constituir fator de legitimação acrescida da capa- cidade de intervenção dos órgãos de poder açorianos e madeirenses nos assuntos do mar (do nosso mar, que é também, senão principalmente, o mar deles). Consequentemente, a capacidade de intervenção dos órgãos regionais nos assuntos dos mares que lhes estão próximos deveria ser a maior possível – indo até aos limites da constitucionalidade –, impondo, designadamente, o entendimento da gestão partilhada no sentido da maior intensidade e amplitude possíveis dos poderes de intervenção daqueles órgãos. Não creio que o caminho da clarificação do conceito haja de passar pelo debate ad nauseam da sua natu- reza, debate que se me afigura de duvidoso proveito. O conceito de gestão partilhada – necessariamente mais do que a mera intervenção consultiva na gestão, algo menos do que a codecisão – reclama, simplesmente, o máximo da capacidade de intervenção dos órgãos regionais compatível com o exercício da soberania do Estado português. Noutro plano, tenho as maiores dúvidas que uma conceção moderna do domínio púbico – que, recorde- -se, se desenvolveu em França, depois da Grande Revolução, num quadro ideológico, político e económico liberal, assente numa lógica diferencial (relativamente à propriedade privada), protecionista (contra apro- priações indevidas) e muito limitada, das antigas rei extra commertium – seja compatível com uma lógica, inteiramente oposta, de indiferenciação, de alargamento contínuo do universo dominial e de maximização do aproveitamento económico dos bens dominiais, de que o recente Estatuto das Estradas da Rede Rodoviá- ria Nacional constitui, porventura, o melhor exemplo.
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