TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL consagrado. Não vejo como é possível ver nesta mera participação um modelo de “gestão partilhada” ou de exercício conjunto de poderes. Tal, manifestamente, não existe. 5. O presente Acórdão passa ao lado de toda esta questão. Ignora, desde logo, a natureza cooperativa do regionalismo português e que os poderes de participação das Regiões previstos no Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, não são graças concedidas pela Repú- blica, mas o resultado normal da aplicação da relação de cooperação entre Regiões e República consagrada na Constituição. Nesse domínio, ao fazer referências significativas, ao longo do Acórdão, à noção de “interesse específico” – assumidamente abolida pelo legislador de revisão constitucional –, o Tribunal, aparenta perma- necer enredado numa visão das autonomias anterior à revisão constitucional de 2004 ao mesmo tempo que parece adotar uma perspetiva de concorrência de atribuições entre República e Regiões, em vez de comple- mentariedade e cooperação. A natural consequência dessa visão é que o presente Acórdão se recusa a fazer uma interpretação do regime especial de partilha de poderes de gestão sobre as zonas marinhas consagrado no artigo 8.º do EPARAA, reco- nhecendo que este consagra a atuação conjunta da República e da Região. Para o Tribunal, admitir a submis- são ao regime de “gestão partilhada” parece equivaler a uma alienação da competência da República e não o seu exercício conjunto – como se apenas duas hipóteses existissem: o exercício exclusivo pela República com a audição da Região ou o exercício pela Região. Esta interpretação ignora que a letra do artigo 8.º, do EPA- RAA – que era o parâmetro de fiscalização da legalidade – se refere a um exercício conjunto de competências. Ao aceitar a sua redução a uma mera participação das Regiões num processo de decisão estadual, o Tribunal desperdiça a oportunidade de testar os limites do conceito estatutário de “gestão partilhada”. Nessa medida, a presente decisão representa um retrocesso na construção de um modelo de cooperação no exercício dos poderes de gestão sobre as zonas marítimas portuguesas desejado pelo legislador estatutário. Em suma, o presente Acórdão esvazia de conteúdo uma norma estatutária redigida de acordo com a sua jurisprudência e que o Tribunal já tinha afirmado estar em conformidade com a Constituição. 6. O requerente impugna não só a legalidade de algumas normas do Decreto-Lei n.º 38/2015, mas também deste Decreto-Lei na sua globalidade. Concluindo pela ilegalidade, face ao artigo 8.º, n. os 1 e 3, do EPARAA, das normas dos artigos 12.º, 18.º, 22.º, e 26.º do Decreto-Lei n.º 38/2015, esta ilegalidade afeta, de facto, o diploma na sua globalidade. Sendo ilegais as normas que estabelecem a competência para a ela- boração e adoção de planos de situação e de afetação, os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional, as restantes normas não possuem autonomia suficiente para subsistirem por si e, fora do contexto em que foram criadas, serem aplicadas à Região. De facto, se as normas que procedem à repartição de com- petências entre o Estado e a Região são ilegais, então a regulação do objeto a que se referem deixa de fazer sentido, na parte em que se aplica à Região. – Maria de Fátima Mata-Mouros. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei o Acórdão na parte em que não declarou a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 5.º, n.º 3, 12.º, 18.º, 22.º, 24.º, n.º 5, e 26.º do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março [alínea a) ]. 2. Acompanhei, naturalmente, a decisão, na parte em que considera não existir qualquer inconstitucio- nalidade consequente. 3. Todavia, afastei-me da decisão relativamente às alíneas b) e c) , já que votei no sentido da ilegalidade das normas constantes dos artigos 12.º, 18.º, 22.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, por
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