TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

83 acórdão n.º 136/16 4. Quanto à questão de saber se estão em causa poderes dominiais intransferíveis, o Tribunal Cons- titucional já referiu que no âmbito do «domínio público marítimo são intransferíveis os poderes que respeitem à integridade e soberania do Estado ou os poderes que sejam incompatíveis com a integração dos bens em causa nesse domínio, designadamente os poderes de manutenção, delimitação e defesa do domínio» (cfr. Acórdão n.º 315/14, n.º 7.5). Ora, as matérias aqui em causa dizem respeito à elaboração e aprovação de planos de situação (que representam e identificam «a distribuição espacial e temporal dos usos e das atividades existentes e potenciais, procedendo também à identificação dos valores naturais e culturais com relevância estratégica para a sustentabilidade ambiental e a solidariedade intergeracional», cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/2015) e de planos de afetação (que procedem «à afetação de áreas e ou volumes do espaço marítimo nacional a usos e atividades não identificados no plano de situa- ção, estabelecendo, quando aplicável, os respetivos parâmetros de utilização», cfr. o artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/2015). Nessa medida, como se refere no presente Acórdão (n.º 8.1.), está em causa a «distribuição, pelas diversas áreas e volumes do espaço marítimo nacional, de usos e atividades, atuais ou potenciais, a exercer por entidades públicas ou privadas. Para tal, têm de identificar, em primeira linha, os condicionamentos a essa distribuição. Por conseguinte, os poderes incluídos nestes instrumentos, na parte em que se referem às zonas marítimas contíguas ao arquipélago dos Açores, integram-se, todos eles, na densificação do modelo de gestão dos espaços marítimos previsto nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA». Concordo com esta conclusão. É excessivo, neste contexto, argumentar que, apenas porque os poderes de tutela, vigilância e polícia ficam condicionados com o ordenamento estabelecido nos planos, estes se tornam automaticamente poderes intransponíveis (cfr. n.º 9.3. do Acórdão) – mesmo que se trate de uma mera opção pacífica entre usos (balnear e pesca, por exemplo). Diga-se, igualmente, que a Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional (Lei n.º 17/2014), que o Decreto- -Lei n.º 38/2015 desenvolve, dispõe expressamente que «a presente lei não se aplica a atividades que, pela sua natureza e atendendo ao seu objeto, visem exclusivamente a defesa nacional ou a segurança interna do Estado português» (artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 17/2014). Assim, concluindo que não se está perante poderes dominiais insuscetíveis de exercício conjunto, cabe- ria determinar se o regime constante do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, se pode enquadrar no modelo de “gestão partilhada”. Esta avaliação teria necessariamente de ter em conta que as Regiões já têm, nos termos da Constituição, poderes de participação e intervenção procedimental – que esta “gestão parti- lhada” deveria ser um grau mais exigente de intervenção das Regiões. De facto, a noção de “gestão partilhada” há de passar pela consagração de procedimentos de tomada de decisão em que existe uma codecisão ou, pelo menos, uma garantia efetiva de que a posição regional é acautelada, através da participação em órgãos conjuntos que emitam pareceres vinculativos, pelo menos em certas situações ou perante certos casos, da existência de mecanismos efetivos de conciliação de posições ou da consagração de deveres especiais de fundamentação caso a posição regional não seja acautelada. Estes mecanismos devem garantir que o exercício dos poderes em causa é o resultado de uma relação de coope- ração entre duas entidades que prosseguem interesses públicos próprios e autónomos, constitucionalmente previstos. Não faz sentido o receio de que este exercício conjunto ponha em causa a soberania ou a unidade nacional: os poderes dominiais nesse âmbito são excluídos, por definição, do exercício dos poderes em “ges- tão partilhada” (artigo 8.º, n.º 1 e n.º 3, do EPARAA) – tal como não poderia deixar de ser. Ora, do modelo constante do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, resulta a participação da Região sem que, no entanto, se consagrem institutos de codecisão ou que garantam que o interesse regional tenha um peso específico na decisão do procedimento que aprova a versão final dos planos de situação e de afeta- ção. À Região são atribuídos poderes de iniciativa, de pronúncia ou mesmo de condução de procedimentos, devendo ser ouvida, a vários títulos e em fóruns diversos, mas sempre sem a virtualidade de condicionar juri- dicamente a decisão final que cabe, exclusivamente, ao Governo. Ora, estes são poderes que a Região sempre teria, independentemente do artigo 8.º do EPARAA, em virtude do dever de audição constitucionalmente

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=