TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida quanto às alíneas b) e c) da decisão. 2. A Constituição regula a relação entre República e as Regiões Autónomas de acordo com um modelo de Estado unitário regional cooperativo (artigo 229.º). De facto, a Constituição portuguesa rejeita modelos de concorrência, conflito ou de delimitação mutuamente excludente de poderes, assentando num regiona- lismo de cooperação. Os interesses públicos regionais e nacionais devem ser prosseguidos pelos diversos entes públicos no pleno respeito pelas respetivas atribuições e competências, garantindo uma atuação coerente, uniforme e eficaz do Estado. Essa lógica cooperativa tem diversos afloramentos, como o procedimento legis- lativo de aprovação dos estatutos político-administrativos e das leis eleitorais para as assembleias legislativas (artigo 226.º), a regulamentação regional de leis da República [artigo 227.º, n.º 1, alínea d) ] e a participação regional na definição e condução da política externa [artigo 227.º, n.º 1, alíneas t) e v) ]. É nesse contexto, também, que a Constituição consagra poderes extensos de participação e de audição das Regiões Autónomas pelos órgãos políticos de soberania sobre questões da sua competência que lhes digam respeito [artigo 227.º, n.º 1, alínea v) , e artigo 229.º, n.º 2]. Esta determinação constitucional obriga os órgãos de soberania a ouvir as Regiões, a permitir a sua participação nos processos de tomada de decisão no exercício das suas competências ou a consagrar a sua presença em órgãos consultivos – desde que estejam em causa matérias que sejam do interesse das Regiões. Esta audição não deve ser meramente formal, devendo dar origem a uma efetiva tomada em consideração da posição regional. As normas do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, objeto de fiscalização consagram esta partici- pação, estando em conformidade com o mandato constitucional. 3. Acontece, porém, que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), relativamente aos poderes de gestão sobre as zonas marítimas portuguesas, estabelece um regime especial de partilha de atribuições e competências. Nunca se colocando em causa a natureza de bens do domínio público do Estado destes bens, o EPARAA estabelece que a regra geral será o exercício conjunto, em gestão partilhada, dos poderes de gestão sobre estes bens (artigo 8.º, n. os 1 e 3 – a diferença dos dois números passa pelo facto de se estar no âmbito das águas interiores e do mar territorial, no caso do n.º 1, e das restantes zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, no caso do n.º 3). Existem duas exceções: i) pertencem à Região os poderes de licenciamento, no âmbito da utilização privativa de bens em causa, das atividades de extração de inertes, da pesca e de produ- ção de energias renováveis (artigo 8.º, n.º 2, do EPARAA); e ii) pertencem à República os poderes de gestão quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado (artigo 8.º, n.º 3, in fine , do EPARAA) e quando a gestão conjunta seria incompatível com a integração dos bens em causa no domínio público marítimo do Estado (artigo 8.º, n.º 1, in fine , do EPARAA). Trata-se de uma construção legal desenvolvida a partir das linhas definidas no Acórdão n.º 131/03 (n.º 7.4) que o Tribunal Constitucional aceitou como conforme à Constituição no seu o Acórdão n.º 402/08 (n.º 22). Assim sendo, quando confrontado com a necessidade de aferir da legalidade das normas do Decreto- -Lei n.º 38/2015, de 12 de março, face ao artigo 8.º do EPARAA, o Tribunal tinha duas opções iniciais: ou i) considerava que estava em causa um conjunto de poderes inerentes à dominialidade que não podiam ser subtraídos ao Estado sem se ofender o fim e a função pública que justifica a sua dominialização – caso em que seria de rejeitar o regime de “gestão partilhada”; ou ii) considerava que se tratavam de poderes secundários de gestão do bem dominial (aproveitamento ou utilização), passíveis de dissociação do titular do domínio – caso em que se aplica o regime de “gestão partilhada”. Concluindo que se tratava deste último caso, então o passo seguinte seria aferir se o regime em causa – na sua globalidade – consagrava um regime de verdadeira “gestão partilhada” (ou de exercício conjunto).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=