TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de referência dessa autoridade é o poder regulamentar, através do qual o titular do domínio marítimo, no desempenho da função administrativa de conservação, proteção e utilização, cria regras jurídicas de conduta que provocam a produção de efeitos jurídicos com repercussão imediata na esfera jurídica de terceiros. Os planos de ordenamento do espaço marinho, para além das regras de distribuição espacial de usos e ativi- dades, contêm restrições de utilidade pública e condicionamentos que vinculam as entidades públicas e os particulares nas concretas utilizações que venham a ser permitidas ou autorizadas. De modo que o exercício do poder de planear e de ordenar é uma faculdade regulamentária que conduz à criação de regras de eficácia plurissubjetiva sobre o uso, gestão e tutela do espaço marítimo. Acontece que as disposições sobre o zonamento, o tipo ou modalidades de usos e atividades e os pró- prios mapas indicativos da localização das diferentes zonas, projetam os seus efeitos no estatuto dominial, na medida em que obrigam o titular do domínio a adequar os poderes de tutela, vigilância e polícia em con- formidade com o ordenamento estabelecido nos planos. Para o conjunto de entidades que exercem poderes de autoridade marítima, no quadro do sistema de autoridade marítima – Decreto-Lei n.º 43/2002, de 2 de março, com as alterações do Decreto-Lei n.º 263/2009, de 28 de setembro – não é indiferente o modo como está ordenado o espaço onde exercem a fiscalização e a polícia de conservação e de utilização. É que a alocação de recursos humanos e materiais, que geralmente são escassos, exige a necessária compatibilidade com a localização dos usos e atividades identificados, distribuídos e afetados pelos planos de ordenamento marítimo. Daí que, pelo menos neste aspeto, o poder de ordenar seja um poder funcionalizado à realização dos fins prosseguidos com a dominialização: a tutela e proteção do bem dominial. Mas também noutras matérias, como o das reservas dominais, que só o titular do domínio pode definir, podem ser postas em causa pelas diretivas fixados nos planos de ordenamento. Afigura-se-nos, pois, que é bastante questionável a possibilidade do Estado abdicar do poder de ordenar o espaço marinho, transferindo o seu exercício para as regiões autónomas, ainda que parcialmente. Nessa hipótese, ficaria despojado de um instrumento fundamental, porventura o mais essencial, à regulação e pro- teção do domínio público marítimo. 10.1. Ainda que ao termo «poderes de gestão» seja dado o mais amplo significado, no sentido de incluir a regulação e a gestão propriamente dita, não se chega à conclusão que o legislador, nas normas questionadas, foi além do que lhe era permitido pelo princípio da gestão partilhada. Como vimos, perante a indeterminação do conceito de gestão partilhada, tem que haver uma defini- ção prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha, sendo certo que a Região Autónoma dos Açores não pode unilateralmente definir esses termos, justamente porque a regulação primária dessa matéria contenderia com as competências das autoridades nacionais. Assim, a concretização do modelo de gestão conjunta ou partilhada previsto nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA constitui uma competência legislativa reservada aos órgãos de soberania, dispondo o legislador ordinário de uma ampla margem de estipulação nessa definição. O conceito «gestão partilhada» é indeterminado quanto ao modo e quanto ao método da partilha das competências gestionárias. Os n. os 1 e 3 do artigo 8.º são «normas de competência» que se limitam a conceder um poder e a demarcar-lhe os limites, mas não fornecem um critério que permita, em sede legal, determinar a forma como os poderes de gestão são partilhados entre os órgãos da administração central e da administração regional. Já em sede interpretativa, abre-se um campo de várias soluções possíveis, dentro dos limites traçados pela norma à liberdade de conformação do legislador e oferecidos pelo princípio da autonomia regional. Em princípio, a gestão partilhada tanto pode incidir sobre a globalidade dos poderes de gestão como reportar-se a cada um deles; e tanto pode realizar-se em codecisão como através de participações procedimentais que influenciem a decisão. O que significa que a liberdade de conformação do legislador se traduz na faculdade de opção de entre uma pluralidade de opções possíveis, todas igualmente válidas, desde que realizem o fim que determinou a concessão do direito à gestão partilhada das zonas marítimas adjacentes às regiões autónomas.
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