TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
73 acórdão n.º 136/16 atividades, dividindo o espaço marítimo em “zonas” abertas a usos e atividades, assim como na representação geo-espacial dessas zonas. A terceira, que encontra expressão no artigo 11.º, n.º 2, para os planos de situação, e no artigo 21.º, n.º 2, para os planos de afetação, realiza-se com a previsão de «normas de execução que identificam as restri- ções de utilidade pública, os regime de salvaguarda e de proteção dos recursos naturais e culturais e as boas práticas a observar na utilização e gestão do espaço marítimo nacional». Esta última função – gestão do espaço marítimo – espelha bem a separação conceptual entre «ordena- mento» e «gestão», na medida em que os planos, ao incorporarem normas de execução concreta das suas previsões, interessam-se pelo modo de concretização do modelo de distribuição espacial por eles desenhado. Por isso mesmo, a utilização comum ou privativa do espaço marítimo está sempre subordinada aos condi- cionamentos definidos nos planos de ordenamento [artigos 46.º, n.º 2 e 48.º, n.º 3, alínea b) , do Decreto- -Lei n.º 38/2015]. É, aliás, essa separação que dá coerência sistemática à LBPOGEMN e ao decreto-lei que a desenvolve, quer no uso reiterado da expressão «ordenamento e gestão», quer na inclusão, em ambos os diplomas, das normas de ordenamento num capítulo próprio (capítulo II) e separado do capítulo regulador das normas de gestão (capítulo III). De resto, mais esclarecedor do que está intencionado nessas expressões não pode deixar de ser o próprio Decreto-Lei n.º 38/2015, quando no preâmbulo refere que, «no quadro de uma gestão partilhada entre o Estado e as Regiões Autónomas, o presente decreto-lei distingue o ordena- mento do espaço marítimo nacional da atribuição dos títulos de utilização privativa. De forma a garantir a unidade do território e uma visão integrada do espaço marítimo nacional, prevê-se que compete ao Governo coordenar as ações necessárias ao seu ordenamento. Já no que respeita aos títulos de utilização privativa, a sua atribuição compete aos órgãos e serviços competentes das Regiões Autónomas». Significa isto que para o legislador ordinário os conceitos de «gestão» e de «ordenamento», assim como «poderes de gestão» e os «poderes de ordenar», são funcionalmente distintos e atuados por procedimentos e por entidades de natureza diferente. Mas a função de conformação é a que mais pode contender com algumas “dimensões” do domínio público marítimo. Nessa função, os planos procedem a um “zonamento” ou “espacialização” do espaço marí- timo nacional, delimitando áreas e volumes, localizando e organizando usos e atividades, definindo parâmetros a que devem obedecer esses usos e atividades, criando uma situação de ordenamento que, no caso dos planos de situação, compreende a «totalidade» do espaço marinho (artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 38/2015). Assim, uma solução de ordenamento que demarca zonas e subzonas, a que correspondem regimes de uso diferenciados e, portanto, diferentes opções quanto à localização de usos e atividades, introduz compressões e condicionamentos ao uso comum, natural ou normal, do espaço marítimo. Assim o refere o n.º 2 do artigo 46.º daquele decreto-lei: «a utilização comum do espaço marítimo nacional deve respeitar a lei e os condicio- namentos definidos nos instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional aplicáveis». Ora, o espaço marítimo é um bem natural que serve de suporte físico a diversos usos e atividades e, por isso, um bem suscetível de desempenhar funções que exigem a intervenção de várias entidades públicas. Mas, dada a natureza do bem, a afetação a múltiplas funções públicas não é suficiente para justificar a sua pertinência ao Estado. Como já se referiu, a dominialização do espaço marítimo está associada à integridade e identidade do Estado, enquanto lugar do exercício da soberania estadual. Para proteção desse “domínio eminente”, tendo em vista a tutela dos diversos modos de utilização, o Estado tem que estar investido de poderes públicos de autoridade que assegurem o cumprimento do fim público que determinou a dominiali- zação, designadamente poderes de uso, controlo e defesa. De facto, tratando-se de bens insuscetíveis de apro- priação, como refere Marcelo Caetano, «o domínio, aí, consiste em mera reserva dos direitos de soberania, de fruição e de disposição pelo Estado, o qual tem o poder de regular e policiar os usos dessas águas. É nesse sen- tido que a lei as integra no domínio público» ( Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 9.ª edição, p. 876). O domínio do espaço marítimo nacional manifesta-se assim através de poderes públicos que denotam supremacia e supraordenação do Estado e cujo exercício depende exclusivamente dele. Um dos poderes
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