TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que se pode determinar por si só se o conceito de ordenamento, no contexto discursivo em que é invocado, também está incluído no conceito de gestão. E também não é através dos termos usados no artigo 8.º do EPARAA, nomeadamente das expressões «poderes de gestão» e «gestão partilhada», que é possível determinar de um modo absolutamente seguro quais as qualidades que esses poderes devem manifestar para que as normas que dele se extraem sejam aplicáveis. De facto, a vaguidade dessas expressões textuais não permite identificar se, no universo dos poderes de gestão, o «ordenamento» está incluído na «gestão». No entanto, se bem repararmos, quando o preceito, no n.º 2, atribui competência exclusiva à Região, fá-lo através de atuações de poder que se materializam em atos individuais e concretos – licenciamento de atividades de extração de inertes, da pesca e de energias renováveis – praticados no âmbito da utilização priva- tiva de bens do domínio público marítimo, ou seja, através da descrição de um tipo de poderes – secundários ou instrumentais – que pode indiciar a qualidade ou a índole dos «demais poderes» cujo exercício tem que ser partilhado (n.º 3). Já sabemos que o espírito do artigo 8.º do EPARAA, com o seu sentido especificamente normativo, é o de partilhar com a Região Autónoma poderes de gestão do domínio público marítimo estadual que não ponham em causa a integridade territorial e a autoridade do Estado e/ou que sejam compatíveis com a integração do bem no domínio público. Tal transferência está constitucionalmente legitimada a partir do momento em que se rejeita a «tese de que a titularidade do domínio é necessariamente acompanhada pela titularidade de (todas) as competências gestionárias» (Acórdão n.º 402/08) e se aceita que há formas de exploração e rendibilização dos bens dominiais que têm conexão com os interesses específicos da Região. Daí que o legislador da República, ao definir, nos termos do n.º 2 de artigo 84.º da CRP, as “condi- ções de utilização” do espaço marítimo nacional, no que se refere à zona adjacente à Região Autónoma dos Açores, deve levar em conta, com o peso devido, a autonomia regional. O interesse dos poderes regionais na definição das formas de exploração e gestão do espaço marítimo adjacente encontra apoio claro nos funda- mentos e objetivos da autonomia fixados no n.º 2 do artigo 225.º da CRP, em particular nos objetivos de «desenvolvimento económico-social» e de «promoção e defesa dos interesses regionais». É aqui, no princípio da autonomia regional, que a partilha de poderes de gestão do espaço marítimo enunciada nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º da EPARAA encontra a sua razão-de-ser e o seu objetivo prático. Note-se, no entanto, que se fala de partilha e não de transferência absoluta, porque no caso de «uma autêntica transferência de poderes, não para a prática de atos, mas para a sua regulação em abstrato (…), a Região ganharia uma competência para lá das exigências do princípio da autonomia» (Acórdão n.º 402/08). O poder de planear e ordenar o espaço marítimo manifesta-se através de um conjunto de atos e formali- dades tendentes à formação dos planos de situação e de afetação. A função realizada por esses procedimentos releva para se aferir se o poder de ordenar está ou não relacionado com o fim da dominialização. Se o fim a que se dirige o ordenamento do espaço marítimo influir com a funcionalidade específica que justificou a sua submissão a um regime de dominialidade – e que constitui um limite aos poderes dominiais –, então o poder de ordenar assume-se como um poder essencial à subsistência e manutenção do domínio. Ora, os planos de ordenamento do espaço marítimo – de situação e de afetação –, nos termos em que a lei os define, fixa os objetivos e determina o respetivo conteúdo, desempenham: (i) uma função de identifi- cação dos usos, atividades existentes e potenciais; (ii) uma função de conformação do espaço marítimo; (iii) e uma função de gestão do espaço marítimo. A primeira, que está expressamente contemplada nos artigos 9.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/2015, para os planos de situação, e no artigo 20.º, alínea a) , para os planos de afetação, consiste na inventariação dos usos e atividades que estão a ser desenvolvidos e dos que são passíveis de ser desenvolvidos ao abrigo de um título de utilização privativa. A segunda, consagrada nos artigos 9.º, n.º 1, 10.º, n. os 1 e 2 e 11.º, para os planos de situação, e nos artigos 20.º, alínea a) , e 21.º, n.º 1, para os planos de afetação, consiste na «distribuição espacial» dos usos e
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