TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pelo Governo da República «prevalecem» sobre os programas e planos territoriais adotados pela Região Autónoma, ao abrigo da sua competência normativa prevista no artigo 57.º do EPARAA, estando-se desse modo a comprimir a competência legislativa regional à margem do texto constitucional, sendo por isso inconstitucional, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 228.º, ambos da CRP. A ratio das normas questionadas é concretizar um dos princípios fundamentais do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional: o princípio da gestão integrada, que é assegurado, entre o mais, pela “coerência” entre o ordenamento do espaço marítimo nacional e o ordenamento do espaço terrestre, em especial o das zonas costeiras [subalínea iii) , da alínea c) do artigo 3.º da LBPOGEMN]. Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2015, o que se visa é «salvaguardar a interação mar-terra em sede de ordenamento». Para esse efeito, a LBPOGEMN, no n.º 2 do artigo 5.º, atribui ao membro do governo responsável pela área do mar a competência para «assegurar a devida articulação e compatibilização com o ordenamento e gestão do espaço terrestre»; e no n.º 2 do artigo 27.º estatui que os planos de situação e de afetação deve- rão assegurar a articulação e compatibilização com os programas e os planos territoriais em vigor no espaço terrestre «sempre que incidam sobre a mesma área ou sobre área que, pela interdependência estrutural ou funcional dos seus elementos, necessitem de coordenação integrada do ordenamento». Em desenvolvimento destas diretrizes, e também da obrigação imposta pela Diretiva n.º 2014/89/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014 (artigo 7.º), o Decreto-Lei n.º 38/2015, que transpôs aquela diretiva, estabeleceu regras procedimentais destinadas a harmonizar e compatibilizar as normas dos diferentes planos com incidência no espaço marinho: (i) no âmbito da elaboração dos planos de situação e de afetação preveem-se mecanismos de concertação, quando sejam detetadas incompatibilidades com programas e planos territoriais preexistentes [artigos 14.º, n.º 6, alínea c) , 16.º e 24.º]; (ii) se o consenso não for alcançado, a entidade responsável pela elaboração dos planos deverá fundamentar o não acolhimento das objeções efetuadas (artigos 16.º, n.º 2, e 24.º, n.º 5); (iii) não sendo possível assegurar a articulação entre planos marítimos e terrestres, os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo devem identificar as normas dos programas e planos territoriais a revogar ou alterar (artigos 5.º, n.º 3, 18.º, n.º 4, e 26.º); (iv) se o plano de ordenamento do espaço marítimo não contiver medidas de compatibilização e, nomeadamente, se não proceder à identificação das normas a alterar ou revogar, é nulo, por violação do plano territorial preexistente (artigo 42.º). Alegadamente, as normas em apreciação contendem com as competências legislativas que, em matéria de ordenamento do território, a Região indiscutivelmente detém, de acordo com o disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea a) , e 228.º, n.º 1, da CRP e no artigo 57.º do EPARAA. Ao abrigo dessa competência, a Região procedeu ela própria ao desenvolvimento da lei que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, entretanto revogada pela nova lei de bases nesta matéria, a Lei n.º 31/2014, de 30 de maio), através do Decreto Legislativo Regional n.º 35/2012/A. Neste diploma, estão previstos e regulados os diversos planos de ordenamento do território aplicáveis na Região, quer ao nível regional, quer ao nível municipal. No âmbito regional, são aprovados por decreto legislativo regional o Plano Regional de Ordenamento do Território dos Açores e os planos sectoriais (artigos 39.º e 46.º); por sua vez, o plano de ordenamento do território de ilha é aprovado por decreto regulamentar regio- nal (artigo 55.º). Não obstante a Região ter o direito, concorrente com o do Governo, de elaborar planos de ordenamento do espaço marítimo nacional e, ainda que não o exerça, de ser ouvida no âmbito dessa elaboração, os pla- nos são sempre aprovados pelo Governo, cuja posição, em caso de divergência, prevalece sobre a da Região (artigos 12.º, n.º 6, 18.º, n. os 2 e 3, 22.º, n.º 2, e 26.º). Assim, na medida em que os planos de ordenamento do espaço marítimo nacional contenham uma indicação de revogação ou alteração de disposições de planos territoriais aprovados pelos órgãos da Região, estar-se-ia a restringir a autonomia legislativa regional, pelo
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