TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL participação procedimental dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, em várias fases do pro- cedimento e em diversas modalidades. Em relação a este grupo de normas, o requerente considera que a atribuição de competência exclusiva ao Governo para aprovar a versão final dos planos de situação e de afetação “comprime” ou anula a competência legislativa regional que os artigos 53.º, n.º 2, alínea a) , e 57.º do EPARAA enunciam para a mesma matéria, o que está em desconformidade com a autonomia legislativa que é concedida à Região Autónoma pela alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e pelo n.º 1 do artigo 228.º da CRP. Nos termos em que a questão de constitucionalidade vem colocada, importa sublinhar, desde já, a contradição contida na fundamentação do pedido: por um lado, considera-se que a competência para legis- lar sobre o ordenamento do espaço marítimo pertence à Região Autónoma, por outro, alega-se que só o legislador da República pode densificar o princípio da gestão conjunta ou partilhada do domínio público marítimo. De facto, nos artigos 35.º e 57.º do requerimento, citando jurisprudência constitucional, diz-se que «cabe ao legislador ordinário definir o modelo concreto de concertação da vontade decisória dos órgãos regionais e nacionais e desta forma densificar o modelo específico de partilha ou exercício conjunto dos poderes de gestão relativos ao domínio público marítimo adjacente ao arquipélago dos Açores», e porquanto, «bem se sabendo que a Região Autónoma não pode legislar sobre esta matéria sem extravasar o âmbito regio- nal e invadir a esfera de competência própria dos órgãos de soberania». Ora, embora a questão de constitucionalidade esteja claramente delineada, a verdade é que, dado o concomitante pedido de declaração de ilegalidade incidente sobre as mesmas normas e, sobretudo, a fun- damentação que o suporta, não é evidente o seu sentido e razão de ser. A argumentação desenvolvida no pedido debruça-se quase exclusivamente sobre a violação, pelas normas em apreciação, do modelo de partilha ou exercício conjunto de poderes de gestão sobre as zonas marítimas adjacentes ao arquipélago dos Açores, consagrado nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Como o requerente não contesta que cabe ao legislador ordinário nacional definir o modelo concreto de gestão partilhada, por se tratar de matéria respeitante aos “limites e condições de utilização” do domínio público (n.º 2 do artigo 84.º da CRP), carece de sentido a invocação de que se legislou sobre matéria enunciada no respetivo estatuto político-administrativo. A competência legislativa para densificar o modelo de gestão contido nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA pertence aos órgãos de soberania e não à Região Autónoma dos Açores, ainda que o n.º 1 do artigo 53.º do EPARAA disponha que «compete à Assembleia Legislativa legislar em matéria de pescas, mar e recursos marinhos», especificando a alínea a) do n.º 2, que nessa matéria estão incluídas as «con- dições de acesso às águas interiores e mar territorial pertencentes ao território da Região», e que, por sua vez, o artigo 57.º disponha que «compete à Assembleia Legislativa legislar em matérias de ambiente e ordenamento do território». É que, além destas disposições deverem ser articuladas com outras normas do mesmo diploma e, neste caso, em especial, com o regime que consta do artigo 8.º, a inclusão da matéria a regular no respetivo estatuto político-administrativo é apenas um dos três parâmetros a partir dos quais se afere a competência legislativa regional. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, é ainda necessário que as matérias em causa “não estejam reservadas aos órgãos de soberania” e que não extravasem do “âmbito regional”. Como vimos, a concretização do artigo 8.º do EPARAA envolve a repartição de competências entre órgãos da República e da Região, e, consequentemente, produz efeitos em relação a pessoas coletivas públicas – neste caso, o próprio Estado – que se encontram fora da jurisdição natural da Região Autónoma dos Açores. Por isso, a regulação dos poderes de gestão do domínio público marítimo estadual é matéria que extravasa do “âmbito regional”, e assim, deverá ser elaborada pelo legislador da República.  De modo que a intervenção normativa consubstanciada no Decreto-Lei n.º 38/2015 não se processou “à margem do texto constitucional”, como se alega no pedido, representando antes o exercício de uma com- petência legislativa que cabe, por força da Constituição, ao legislador da República. A questão da violação da autonomia legislativa regional ainda poderia preservar alguma substân- cia própria se pudéssemos dar como assente que as normas em apreciação não operam exclusivamente a

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