TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
623 acórdão n.º 229/16 um recurso de mera legalidade ou de cassação, mas antes um recurso de plena jurisdição (cfr. a este res- peito, Alexandra Vilela, ob. cit. , pp. 386-387, e Joaquim Pedro Cardoso da Costa, «O Recurso para os tribunais judiciais da aplicação das coimas pelas autoridades administrativas», in Ciência e Técnica Fiscal, 366, 1992, p. 59). Com efeito, conforme resulta do regime geral das contraordenações, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa e, no caso de impugnação da decisão aplicada nesta fase, segue-se uma fase jurisdi- cional em que o arguido dispõe não apenas da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão, mas também de um conjunto de amplas faculdades de exercício do seu direito de defesa e de contraditório. A impugnação dá lugar, não a um recurso propriamente dito, mas a um novo processo de natureza jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o processado nos autos, podendo ser produzida prova neste processo judicial, quer pela autoridade administrativa recorrida, quer pelo arguido, sendo que o tribu- nal valora em conjunto toda a prova produzida nos autos, quer a já produzida na fase administrativa, quer a realizada na fase jurisdicional, particularmente a que venha a ter lugar em audiência. Ou seja, o tribunal, ao apreciar a impugnação da decisão administrativa, não está vinculado à quali- ficação efetuada pela entidade administrativa que proferiu a decisão, apreciando quer os factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer a matéria de direito (qualificação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Quando o processo é enviado para o Tribunal, na sequência da impugnação do arguido, tudo se passa, assim, como se tivesse lugar um novo julgamento, em que a decisão passa a ser tida como acusação e, como tal, passa a delimitar o objeto do processo.” Daí que a transposição do juízo de constitucionalidade efetuado pelo Tribunal Constitucional no domí- nio das alterações da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação em processo penal só pode pecar por excesso e nunca por defeito, face à menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes processuais próprios de cada um deles. Por esta razão, mantém-se o julgamento de não inconstitucionalidade efetuado pela decisão sumária, devendo indeferir-se a reclamação apresentada por estes recorrentes. 2. Reclamação apresentada pelo recorrente E. 2.1. Da nulidade da decisão sumária O recorrente argui a nulidade da decisão sumária, invocando dois fundamentos: – a decisão sumária foi proferida extemporaneamente, uma vez que ainda não transitaram em jul- gado as decisões do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que se encontra, a esse título e de modo meramente exemplificativo, pendente pedido de irregularidade processual da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional; – a decisão sumária não conheceu da questão de constitucionalidade relativa à interpretação do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, existindo uma omissão de pronúncia nessa matéria. Relativamente ao primeiro fundamento de arguição de nulidade, cumpre ter presente que estando nós perante um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o mesmo apenas pode ser interposto de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já estarem esgo- tados todos os que no caso cabiam, sendo equiparados a recursos ordinários as reclamações, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência. É o apelidado princípio da exaustão das instâncias. Apesar do acórdão da Relação de Lisboa proferido em 31 de julho de 2015 não admitir recurso ordiná- rio, há que ter presente que a LTC e a jurisprudência do Tribunal Constitucional não adotam uma aceção restrita daquele princípio, equiparando aos recursos as reclamações e exigindo que se esgotem os poderes jurisdicionais do tribunal recurso quanto ao objeto da decisão proferida, pelo que se tem entendido que a
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