TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interesses públicos, os poderes de exploração ou de gestão do domínio público possam ser transferidos para outras entidades, públicas ou privadas, sem que se ponha em causa a função que justificou a sua submissão a um regime de dominialidade. Afinal, «do que se trata é de reconhecer que o estatuto jurídico associado à dominialidade não é uniforme e que, se certos poderes ou faculdades são intransferíveis, outros, menos vitais e nada atentatórios da unidade do Estado, não o são» (Pedro Lomba, “Regiões Autónomas e Transferência de Competências sobre o Domínio Natural – Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/03”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 2, abril/junho 2004, p. 659). A separação, no universo dos poderes de domínio, entre poderes primários e poderes secundários, segundo o critério da transferibilidade, tem vindo a ser admitida pela jurisprudência deste Tribunal. No seguimento da posição já tomada nos Acórdãos n. os 131/03, 402/08 e 654/09, diz-se no Acórdão n.º 315/14 o seguinte: «O reenvio que o artigo 84.º da CRP faz para lei, quanto à definição dos bens integrantes do domínio público, bem como do seu regime, condições de utilização e limites [alínea f ) do n.º 1 e n.º 2], consente a separação entre titularidade e o exercício dos poderes característicos do estatuto da dominialidade, o que significa, por outras palavras, que a titularidade do domínio não engloba necessariamente todos os poderes de gestão do bem dominial. (…). De facto, não pode deixar de se reconhecer que há poderes ou faculdades inerentes à dominialidade que não podem ser subtraídos ao seu titular sem se ofender o fim e a função pública que justifica a dominialização do bem. No domínio público marítimo são intransferíveis os poderes que respeitem à integridade e soberania do Estado ou os poderes que sejam incompatíveis com a integração dos bens em causa nesse domínio, designadamente os poderes de manutenção, delimitação e defesa do domínio. Já quanto à gestão do bem dominial, incluindo o seu aproveitamento ou utilização, não há impedimento a que ela seja dissociada do titular do domínio e confiada a outras pessoas coletivas públicas ou a particulares, designadamente concessionários». Da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o domínio público marítimo resulta, assim, de forma clara, que os poderes de domínio que respeitem à integridade e soberania do Estado, assim como aqueles cuja transferência frustraria a finalidade que justifica a atribuição da titularidade dominial ao Estado não podem ser transferidos para outras entidades. No âmbito desses poderes cabem os poderes de manu- tenção, delimitação e defesa do domínio, sem se excluir que outros possam estar em causa. Já os poderes de exploração ou gestão do domínio público marítimo podem competir a entidades diferentes do Estado. E no âmbito desses poderes cabem não apenas a atribuição de direitos de uso privativo, como parece resultar do Acórdão n.º 131/03, mas também a concessão de exploração de parcelas do domínio público ou a adjudica- ção à satisfação de interesses próprios de outras pessoas coletivas públicas territoriais. A possibilidade de separação entre a titularidade e o exercício de poderes de administração sobre os bens do domínio público hídrico, onde se inclui o domínio público marítimo, está hoje consagrada no artigo 9.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, onde se dispõe que «o domínio público hídrico pode ser afeto por lei à administração de entidades de direito públicas encarregadas da prossecução de atribui- ções de interesse público a que ficam afetos, sem prejuízo da jurisdição da autoridade nacional da água» (n.º 1); e que «a gestão de bens do domínio público hídrico por entidades de direito privado só pode ser desenvolvida ao abrigo de um título de utilização, emitido pela autoridade pública competente para o respetivo licenciamento» (n.º 2). Esta Lei, que estabelece o regime da titularidade dos recursos hídricos, e que se aplica às regiões autóno- mas, sem prejuízo de diploma regional que proceda às necessárias adaptações, estabelece, no n.º 2 do artigo 28.º, que «a jurisdição do domínio público marítimo é assegurada, nas Regiões Autónomas, pelos respetivos serviços regionalizados na medida em que o mesmo lhe esteja afeto». Ora, a medida de afetação do domínio público marítimo à Região Autónoma dos Açores está fixada no artigo 8.º do EPARAA.

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