TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

619 acórdão n.º 229/16 Em vez de se pugnar pela genérica aplicação a título subsidiário do regime processual penal ao processo de con- traordenação, haverá antes que ter presente a autonomia do direito de mera ordenação social. Com efeito, como bem destaca Frederico de Lacerda da Costa Pinto 1 , “Em processo de contraordenação existe uma fase organica- mente administrativa (obrigatória) e uma fase judicial (facultativa). Na primeira imputa-se uma infração, ouve-se o arguido, realizam-se aas diligências necessárias ou requeridas e profere-se uma decisão (de arquivamento ou de aplicação de coima, acompanhada ou não de sanção acessória). Na segunda sujeita-se a controlo judicial a decisão sancionatória proferida na fase administrativa se a mesma não tiver sido aceite pelo arguido”. E se é reconhecido por este Autor 2 que esta autonomia processual do Direito de Mera Ordenação Social face ao processo criminal não pode levar a que a fase organicamente administrativa seja diluída e apagada por aplicação das normas do processo criminal enquanto direito subsidiário, então também deverá a aplicação das normas do pro- cesso penal em fase de julgamento respeitar a autonomia deste ramo do direito, em particular evitando que através da aplicação do disposto no artigo 358.º n.º 3 do CPP venha o julgador, substituir-se à autoridade administrativa no exercício do poder sancionatório, sancionando onde aquela não acusara, condenando por imputações jurídicas não constantes da acusação e assim atingindo a identidade essencial do objeto do processo, com direta violação da sua estrutura acusatória. Entende o recorrente que a interpretação normativa do artigo 358.º n.º 3 acolhida pelo Tribunal recorrido em matéria contraordenacional, permitindo ao julgador, através de um exercício de “reinterpretação” da acusação, passar a imputar ao recorrente, em vez de uma conduta típica atinente a uma única sociedade, três condutas típicas atinentes a três sociedades distintas e capazes de preencherem a prática de três contraordenações, significa o avocar de poderes de regulação repressiva ou sancionatória próprios da autoridade administrativa de regulação, atingindo a própria natureza do processo de contraordenação e, consequentemente, o direito de defesa do recorrente e o princípio da confiança, de forma intolerável num processo de matriz acusatória, comprometendo a própria impar- cialidade do Tribunal de julgamento. Termos em que requer a V. Exa. se dignem atender à presente reclamação, revogando a decisão sumária, pros- seguindo o recurso de constitucionalidade até final.» O Ministério Público apresentou resposta com o seguinte conteúdo: «1.º Pela douta Decisão Sumária n.º 105/16, decidiu-se: “a) Julgar extinto, por inutilidade superveniente, o recurso interposto por F.; b) Não julgar inconstitucional a norma constante a norma constante do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º do Regime Geral das Contraordenações e 208.º e 232.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, através da alteração da qualificação jurídica, aumentar o número de infrações contraorde- nacionais imputadas ao arguido; e, em consequência, c) Julgar improcedentes os recursos interpostos por A., S.A., C., S.A., e D.; d) Não conhecer do recurso interposto por E.”. 2.º Dessa decisão singular, os arguidos A., S.A., D. e E., vieram reclamar para a conferência. 3.º Recorrentes A. e D.. 4.º Estes recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 358.º, n. os  1 e 3, do CPP, ex vi artigos 41.º do Regime Geral das Contraordenações e 208.º e 232.º do Regime Geral das Ins- tituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretado no sentido de permitir ao julgador, através da alteração da qualificação jurídica, aumentar o número de infrações contraordenacionais imputadas ao arguido. 5.º Na douta decisão reclamada entendeu-se que tal interpretação não era inconstitucional, justificando-se a prolação de decisão sumária, pois esta seria uma questão simples em face da jurisprudência do Tribunal Constitu- cional sobre a matéria.

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