TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
618 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CPP, aplicado ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 208.º e 232.º do RGICSF, permitiria ao julgador, na fase de julgamento, uma alteração da qualificação jurídica que aumentasse o número de infrações contraordenacionais imputadas ao recorrente, consubstanciadas na falsificação da contabilidade de três sociedades distintas. Face à suscitação da inconstitucionalidade material do artigo 358.º do CPP, o douto acórdão recorrido aderiu à posição expressa pelo Banco de Portugal sobre esta matéria, transcrevendo no acórdão proferido o seguinte: “o tribunal a quo não incorreu em violação dos artigos 358.º e 359.º do CPP, por via da comunicação da alteração da qualificação jurídica. Não existe qualquer nulidade a conhecer nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP, nem está em causa qualquer questão de inconstitucionalidade das normas em apreço. Sustentou o acórdão recorrido que “Verificou-se nos autos uma mera alteração da qualificação jurídica dos fac- tos, legalmente admissível nos termos do n.º 3 do artigo 358.º do CPP; não se verificou, contrariamente ao alegado por alguns dos recorrentes, qualquer alteração dos factos. Não ocorre uma alteração dos factos quando o tribunal qualifica de maneira diversa, sem os modificar, os factos descritos na acusação, tal como ocorreu inequivocamente in casu (cfr. a este propósito, o Acórdão do STJ de 13 de fevereiro de 2008). A jurisprudência é clara no sentido de que “o Tribunal do julgamento pode proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos, ainda que conduza à aplicação de pena mais grave” (nesse sentido, a jurisprudência já referida). Do ponto de vista conceptual, tanto conduz à aplicação de pena mais grave a divergência (em termos de qualificação de direito) que opere a convolação para crime/contraordenação mais grave, como aquela que opere a convolação para número diverso de crimes/contraordenações: posto é que (i) seja dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, (ii) se mantenha a substância dos factos imputados. “ “O Tribunal tem a liberdade de qualificar juridicamente de forma diversa os factos da decisão administrativa mesmo que para infração mais grave, desde que cumpra o preceituado no artigo 358.º n.º 1/3 do C.P.P. aplicáveis ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 232.º do RGICSF (Neste sentido Ac. da Relação de Coimbra de 21.11.2012 proferido no processo n.º 4/07.2TAPNH.C1 consultável em www.dgsi.pt AC. n.º 445/97 do TC (onde se julgou com força obrigatória geral que o Tribunal de julgamento pode proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos ainda que conduza à aplicação de pena mais grave, desde que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê quanto a ela, oportunidade de defesa) e Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 3/2000) o que foi assegurado no caso presente”. Ora veio o recurso constitucional a ser objeto de decisão sumária proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro relator ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que “o Tribunal Constitucional entende que é admissível a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido pelo juiz do julgamento, mesmo que essa alteração agrave a posição do arguido, designadamente imputando-lhe um número maior de crimes àqueles que constavam da acusação ou da pronúncia, desde que essa alteração seja comu- nicada ao arguido, facultando-lhe a possibilidade de reformular a sua defesa face á alteração produzida.” Mais entendeu que dado o menor peso garantístico do regime processual contraordenacional decorrente da diferente natureza do ilícito contraordenacional e da sua menor ressonância ética, em confronto com o ilícito criminal, nada obsta a que, também no procedimento contraordenacional, e uma vez garantida ao arguido a pos- sibilidade de reformular a sua defesa face à alteração produzida, se admita – com essa condição – a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados em sede de julgamento, como sucede no processo penal. Ora não se conforma o recorrente com o despacho proferido, dele reclamando para a conferência de juízes. Para o reclamante a distinta natureza do processo de contraordenação de que decorre a autonomia do processo de contraordenação face ao regime do processo penal, deveria conduzir a uma maior reflexão sobre a possibilidade de aplicação do regime previsto no artigo 358.º n.º 3 do CPP ao caso vertente, sendo sua convicção que, ao invés do entendimento perfilhado na decisão sumária ora reclamada, o julgador, na fase de julgamento, não se encon- tra habilitado a proceder a uma alteração da qualificação jurídica que venha a aumentar o número de infrações contraordenacionais imputadas ao recorrente, passando a imputar-lhe a falsificação da contabilidade de mais duas sociedades para além da falsificação de contabilidade que já lhe fora imputada na fase organicamente administra- tiva do processo de contraordenação.
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