TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

612 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa (sublinhado nosso). Esta era a posição que o Tribunal já havia adotado no Acórdão n.º 173/92, relativamente a igual interpretação do Código de Justiça Militar, tendo julgado inconstitucional, por violação do princípio constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a disposição do artigo 418.º, n.º 2, do Código de Justiça Militar, na parte em que permite ao tribunal condenar por infração diversa daquela de que o arguido foi acusado (caso os factos que integram o res- petivo tipo incriminador constem do libelo acusatório), quando a diferente qualificação jurídico-penal dos factos conduzir à condenação do arguido em pena mais grave, mas tão-só na medida em que não prevê que se previna o arguido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa. O Tribunal Constitucional veio a reiterar o julgamento de inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 279/95, nos Acórdãos n.º 16/97 e 58/97, tendo declarado com força obrigatória geral tal inconstitucionalidade no Acórdão n.º 445/97. Da leitura destes arestos resulta, com evidência, que o Tribunal Constitucional entende que é admissível a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido pelo juiz do julgamento, mesmo que essa alte- ração agrave a posição do arguido, designadamente imputando-lhe um número superior de crimes àqueles que constavam da acusação ou da pronúncia, desde que essa alteração seja comunicada ao arguido, facultando-lhe a possibilidade de reformular a sua defesa, face à alteração produzida. Ora, como tem sido reiteradamente entendido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor ressonância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilíci- tos no âmbito de direito sancionatório (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/09 e 135/09), pelo que se o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, exige que também no procedimento contraordenacional seja garantido ao arguido a possibilidade de reformular a sua defesa face à alteração produzida, não há qualquer motivo para que, neste domínio, também não seja admissível a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados em sede de julgamento, como sucede no processo penal. Por essa razão, seguindo a linha da anterior jurisprudência deste Tribunal, deve ser proferido juízo de não inconstitucionalidade da norma impugnada, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. 3. Do recurso interposto por E. 3.1. Dos pressupostos do recurso de constitucionalidade No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitu- cional cingese ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitu- cional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a incons- titucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por rele- vantes às particularidades do caso concreto. Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) , do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconsti- tucionalidade haver sido suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi , das dimensões normativas arguidas de incons- titucionais pelo recorrente.

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