TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

61 acórdão n.º 136/16 tal atribuição, através da transmissão a outras entidades, ou de partilha com outras entidades, dos poderes essenciais associados ao domínio, seria uma opção constitucional destituída de sentido, pois esvaziaria de conteúdo essa posição dominial. Aceites as premissas, esta conclusão é inelutável, constituindo, portanto, jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (Acórdãos n. os 330/99, 131/03, 402/08 e 315/14). 6.5. Há, sem dúvida, um conjunto de poderes exclusivos dos titulares de bens dominiais que não podem ser objeto de transferência para outras entidades, sob pena de ofensa à titularidade. Com efeito, pode afirmar-se que a impossibilidade de transferência de bens do domínio público arrasta consigo a impossi- bilidade de transferência do núcleo essencial dos poderes dominiais que sobre eles recaem. Como se lê no Acórdão n.º 131/03, «é corolário necessário da não transferibilidade dos bens do domínio público marítimo do Estado a impossibilidade de transferência dos poderes que sejam inerentes à dominialidade, isto é, os necessários à sua conservação, delimitação e defesa, de modo a que tais bens se mantenham aptos a satisfazer os fins de utilidade pública que justificaram a sua afetação». Mas se é pacífico que a titularidade do domínio público, incluindo aí os poderes e prerrogativas que for- mam o núcleo essencial da dominialidade, não pode ser transmitida, tem vindo a admitir-se que o exercício de certos poderes de domínio pode ser transferido para outras entidades (públicas e privadas), sem que seja afetada a função pública que justifica a dominialização do bem. A propósito dos poderes das regiões autónomas sobre os bens do domínio público marítimo situados no seu território, a jurisprudência constitucional e a doutrina, além de fazerem a separação entre titularidade e exercício de competências sobre o domínio público, efetuam uma distinção entre poderes primários, que são insuscetíveis de transferência, e poderes secundários, que podem ser objeto de transferência para outras entidades. É a própria natureza do bem dominial e a função por ele prosseguida que permite fazer a destrinça entre estes dois tipos de poderes de domínio. No caso dos bens integrados no domínio público marítimo, porque indissociavelmente conexiona- dos com a soberania e identificação nacional, o desempenho de determinadas funções só se revela possível quando o seu titular for o Estado. Por isso, os poderes necessários à satisfação dessas funções – defesa nacio- nal, por exemplo – não podem ser transferidos para outras entidades, sob pena de se comprometer o “núcleo essencial da dominialidade”. Nesse sentido, os poderes respeitantes à soberania e integridade do Estado ou à manutenção, delimitação e defesa dos bens dominiais, na medida em que respeitam à defesa, unidade e autoridade do Estado, são poderes intransferíveis para outras entidades. Como escreve Ana Raquel Gonçal- ves Moniz, «para os titulares estão reservados os poderes que contendem com a consistência ou a subsistência do estatuto da dominialidade, em especial os atos de aquisição e extinção do domínio público, bem como aqueles que, dependendo da vontade dos titulares, impliquem uma mutação dominial subjetiva. A estes devem acrescentar-se a classificação e a delimitação, enquanto correspondentes ao exercício de poderes de autotutela» (“Direito de Domínio Público”, ob. cit., p. 113). Todavia, se a salvaguarda da integridade territorial e da soberania do Estado constitui a função precípua do domínio estadual sobre os espaços marítimos, a verdade é que atualmente esse estatuto não se encontra exclusivamente vocacionado à conservação e defesa dos bens dominiais, mas também à rentabilidade e apro- veitamento económico das potencialidades que lhe são inerentes. De facto, como há muito tempo referiu Freitas do Amaral, «o domínio afirma-se cada vez mais, na época moderna, como uma riqueza a explorar, um bem que, na medida em que a sua afetação não for contrariada, é e deve ser objeto de gestão económica» ( A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, Lisboa, 1965, p. 167). Por essa razão, o direito da domi- nialidade pública, que tradicionalmente se encontrava mais centrado na conservação, passou a ser um direito voltado para a exploração e aproveitamento das potencialidades económicas dos bens públicos.  E assim sendo, os poderes/faculdades dirigidos à sua exploração económica já não contendem com a função pública inerente à dominialidade, por se tratar de os colocar ao serviço de outros interesses públi- cos, além daqueles que constituem o fundamento da sua dominialidade. Daí que, para prossecução desses

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