TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
605 acórdão n.º 199/16 DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido quanto ao não conhecimento do recurso pela seguinte ordem de considerações. Na linha do recente Acórdão n.º 329/15, que infletiu a jurisprudência tradicional, não subsiste qual- quer obstáculo à sanação da inobservância do ónus da exaustão dos recursos ordinários, mormente naquelas situações – como no caso dos autos – em que, estando ainda pendente um incidente pós-decisório à data da interposição do recurso de constitucionalidade, a decisão recorrida se tenha tornado definitiva no momento em que o processo é remetido ao Tribunal Constitucional, por efeito de ocorrência processual posterior. Em primeiro lugar, não pode perder-se de vista que o Código de Processo Civil impõe ao juiz um dever de gestão processual, que surge como um princípio estruturante do novo regime de processo civil, e deve ser assi- milado como princípio geral aplicável a todas as ordens jurisdicionais (artigo 6.º). O juiz da jurisdição comum não está, por isso, impedido de sustar a tramitação de um recurso de constitucionalidade que tenha sido inter- posto simultaneamente ou na pendência de um incidente pós-decisório, quando essa circunstância possa vir a determinar a rejeição do recurso por incumprimento do ónus de esgotamento dos recursos ordinários. A utilização de mecanismos de suprimento de irregularidades, justificada pelas vicissitudes do processo e enquadrada nesse dever de gestão processual, não constitui um fator de desigualdade no processo, e, pelo contrário, deve ser entendido como um meio de assegurar a igualdade efetiva entre as partes por via da intervenção do juiz a favor da parte, que, por ter incorrido em meras irregularidades processuais sanáveis, se encontra carecida de um auxílio suplementar. E é patente que o Tribunal Constitucional não pode inutilizar as medidas de direção do processo ado- tadas pelo tribunal recorrido que, no exercício de competência própria, e ainda num momento anterior à remessa do processo ao tribunal ad quem , visem sanar irregularidades processuais que possam comprometer a viabilidade do recurso de constitucionalidade. Não pode colocar-se aí qualquer objeção relacionada com a igualdade das partes, visto que a intervenção judicial não se destina a instituir um tratamento diferenciado entre os sujeitos processuais, mas a garantir, dentro de um critério de igualdade material, a sanação de uma irregularidade que poderia prejudicar a posição de um dos intervenientes no processo. Por outro lado, nenhuma razão relacionada com a natureza do recurso de constitucionalidade e a subsi- diariedade da intervenção da jurisdição constitucional pode justificar que o Tribunal desconsidere a realidade processual já existente no momento em que lhe incumbe pronunciar-se quanto à admissibilidade do recurso. A sustação do recurso interposto para o Tribunal Constitucional para o efeito de ser apreciado um incidente pós-decisório que foi entretanto suscitado, e que só as instâncias podem decidir, não colide com a autonomia da jurisdição constitucional. Essa autonomia resulta da caracterização do Tribunal Constitucio- nal como um órgão judicial, separado das restantes categorias de tribunais, com competência específica em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da CRP). E não é a circunstância de o tribunal recorrido ter praticado atos processuais da sua própria competência, na sequência de um impulso processual da parte, que permite pôr em causa a função específica do órgão de justiça constitucional, que, em qualquer caso, sempre pode pronunciar-se, na devida oportunidade, e em exclusividade, não só quanto ao conheci- mento do objeto do recurso, como quanto à apreciação da questão de constitucionalidade se o recurso vier a prosseguir. Mal se compreende, noutra perspetiva, que a retenção do recurso de constitucionalidade pelo tribunal recorrido possa interferir com o princípio da subsidiariedade da intervenção da jurisdição constitucional. Esse caráter subsidiário é revelado pela exigência do ónus da exaustão dos meios impugnatórios na ordem jurisdicional a que pertence o tribunal recorrido, em termos de se considerar que o Tribunal Constitucional só intervém depois de ter sido proferida, nessa ordem jurisdicional, a última palavra sobre a questão de cons- titucionalidade que cabe resolver. Daí, no entanto, não resulta que o momento relevante para averiguar se se encontra satisfeito esse ónus deva ser aquele em que o particular formula a sua pretensão perante o Tribunal Constitucional.
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