TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

60 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estadual, atenta a incindível conexão com a identidade e a soberania nacionais (Acórdãos n. os 280/90, 330/99, 131/03, 654/09, 402/08 e 315/14). De igual modo defende a doutrina, que exclui do domínio público regional as águas territoriais e os fun- dos marinhos contíguos da plataforma continental integrados no território regional pelo facto de serem «ine- rentes ao próprio conceito de soberania» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 1004; Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 92; Rui Medeiros/ Tiago Fidalgo de Freitas/Rui Lanceiro, Enquadramento da Reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, 2006, p. 190; Ana Raquel Gonçalves Moniz, “Direito do Domínio Público”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. V, Almedina, p. 109; e Fernando Alves Correia/Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Coim- bra: CEDOUA, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, p. 26). Em conformidade com esta jurisprudência e doutrina, o n.º 2 do artigo 22.º do EPARAA, após a 3.ª revisão, acabou por excetuar do domínio público regional os bens afetos ao domínio público militar, ao domínio público marítimo, ao domínio público aéreo e, salvo quando classificados como património cultu- ral, os bens dominiais afetos a serviços públicos não regionalizados. 6.4. Sendo o Estado e só ele a pessoa coletiva pública competente para exercer os direitos dominiais resultantes da soberania e jurisdição que tem sobre aquelas zonas marítimas, cabe à lei, no quadro do dis- posto no n.º 2 do artigo 84.º da CRP, definir o «seu regime jurídico, condições de utilização e limites». Embora caiba à lei a definição do regime dos bens do domínio público, naturalmente que a margem de liberdade do legislador na conformação desse regime não é total, pois não pode ele ignorar ou «eliminar dimensões essenciais à própria definição do conceito de domínio público», tal como foi recebido na Cons- tituição (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 1005). Não obstante o feixe de poderes públicos atribuídos à Administração variar de acordo com o interesse público específico que justifica a dominialização, o que pode originar vinculações específicas para cada bem ou tipo de bens, o objetivo de subtrair o bem ao «comércio jurídico privado» é uma matriz comum a todo o regime de dominialidade, que se confirma pelas notas típicas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. Como se refere no Acórdão n.º 103/99 «a característica essencial do regime dos bens do domínio público é o facto de, enquanto se mantiverem aí integrados, estarem submetidos a um regime de direito público, que o mesmo é dizer terem um estatuto jurídico de dominialidade. Encontram-se, por isso, fora do comércio jurídico privado – o que significa que não podem ser objeto de propriedade privada ou de posse civil, nem de contratos de direito civil, designadamente de venda ou permuta. Mais: tais coisas são imprescritíveis e inalienáveis». O estatuto da dominialidade pressupõe pois um acervo de poderes/faculdades a exercer sobre um bem público, que são outorgados aos entes públicos para proteção dos fins que motivaram a sua qualificação como bem dominial. Aos titulares de bens dominiais devem ser concedidos poderes próprios e exclusivos que, por emergirem da relação estabelecida com o domínio público, não podem ser entregues a outras enti- dades, sob pena de se esvaziar o sentido da garantia institucional consagrada no n.º 2 do artigo 84.º da CRP. Desta garantia institucional resulta a impossibilidade de se remeter para uma entidade a definição do regime de bens dominiais na titularidade de outra, assim como a impossibilidade de se negar ao titular do bem dominial o exercício de competências normativas e administrativas dirigidas ao seu modo de gestão. Como refere Ana Raquel Gonçalves Moniz, «à titularidade de bens dominiais pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais corresponde um conjunto de poderes próprios e exclusivos, que não podem ser “expropria- dos” pelo Estado-legislador e entregues a outras entidades» (“Direito do Domínio Público”, ob. cit., p. 39). Pelo que respeita ao domínio público marítimo, pertencendo ele necessariamente ao Estado, então, além da sua titularidade propriamente dita, não poderão ser transmitidos a outras entidades os poderes que efetivamente a justificam. Atribuir em exclusivo ao Estado a titularidade dos bens em causa, por poderosas razões que se prendem com a soberania, identidade e unidade do Estado, e depois admitir a possibilidade de

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