TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
59 acórdão n.º 136/16 6.2. Algumas das zonas marítimas referidas são objeto de direitos de domínio público, sendo-lhes ine- rente um estatuto jurídico de dominialidade, corporizado num conjunto de princípios e normas de direito público que as diferencia dos demais bens públicos e privados. De harmonia com o disposto no artigo 84.º n.º 1, alínea a) , da CRP, são bens do domínio público as “águas territoriais com os seus leitos e fundos marinhos contíguos”. No mesmo sentido, o artigo 3.º da Lei n.º 54/2005 dispõe que integram o domínio público marítimo as águas costeiras, territoriais e interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas, assim como o respetivo leito e margens, e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva. O conceito constitucional de «águas territoriais» abrange as águas marítimas interiores e o mar terri- torial; e o conceito de «fundos marinhos contíguos» pretende abranger a plataforma continental. De modo que o domínio público marítimo integra apenas as águas territoriais (águas internas e mar territorial) e a plataforma continental, ficando de fora a zona contígua e as águas (coluna de água e superfície) da zona económica exclusiva. Na alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 54/2005 de 15 de novembro faz-se referência a esta última zona, mas só os recursos nela existentes é que podem pertencer ao domínio público, uma vez que decorre do artigo 56.º da CNUDM que nessa zona o Estado português apenas detém direitos de soberania no que tange à exploração, aproveitamento e gestão dos recursos naturais. A integração do mar territorial e da plataforma continental no domínio público marítimo fundamenta- -se essencialmente na ligação que têm com a soberania do Estado. De facto, além de se tratar de bens cuja existência e estado resultam de fenómenos naturais, qualidade que já impõe a sua dominialidade (domínio público natural), a utilidade que apresentam à coletividade pública está conexionada «de uma forma muito especial com a integridade territorial do Estado, e com a respetiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a própria identidade (identificação) nacional» (Ana Raquel Gonçalves Moniz, in O Domínio Público . O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, p. 292). Ora, o desempenho desta importante função tem consequências ao nível do regime jurídico aplicável, o qual há de apresentar características mais exigentes do que o previsto para bens dominiais que não se carac- terizem pela mesma utilidade pública. 6.3. Desde logo, são zonas marítimas que pertencem ao domínio público necessário, por serem «bens que não podem pertencer senão ao Estado, e o seu estatuto jurídico não pode ser outro senão o da dominialidade» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.º edição p. 1002). A conexão íntima do mar territorial e da plataforma continental com as funções de soberania e defesa do Estado e mesmo com a sua identidade, sujeitam esses espaços a um regime de domínio público estadual. Em virtude do disposto no n.º 2 do artigo 84.º, em conjugação com a alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, compete à lei determinar os sujeitos titulares dos diversos tipos de domínio, podendo assumir-se como tal, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais. Não obstante esta reserva de lei, referem aque- les autores que «é natural que certos bens não podem deixar de integrar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (como sucede com o domínio público marítimo e aéreo), não podendo por isso pertencer ao domínio público de entes públicos infraestaduais» ( ob. cit. p. 1004). Um critério material de definição da titularidade dominial que o artigo 4.º da Lei n.º 54/2005 tornou indiscutí- vel: «o domínio público marítimo pertence ao Estado». O domínio público estadual compreende todo o mar territorial e toda a plataforma continental, incluindo assim as áreas adjacentes das Regiões Autónomas. Os espaços marinhos territoriais, ainda que integrados no território regional (artigo 2.º, n.º 2, do EPARAA), pertencem ao domínio público estadual, porque conaturais à caracterização do território do Estado Português, enquanto lugar de exercício da sobe- rania estadual, mas também pelo significado que revestem para a própria identidade e soberania nacional e pelas funções que podem desempenhar, designadamente as de defesa e segurança nacional. Este tem sido o entendimento da jurisprudência deste Tribunal, que reiteradamente considera o mar cir- cundante das regiões autónomas um bem dominial integrado necessariamente no domínio público marítimo
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