TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. Mérito do pedido. 6.1. O Decreto-Lei n.º 38/2015, de cujos preceitos se extraem as normas impugnadas, estabelece o regime jurídico dos instrumentos de ordenação do espaço marítimo nacional e o regime jurídico aplicável aos títulos de utilização privativa do mesmo espaço. Aplicando-se ao espaço marítimo nacional, tal como definido na LBPOGEMN, importa preliminarmente, e antes de responder às questões de inconstitucionali- dade e de ilegalidade, delimitar os bens integrantes desse espaço e definir o respetivo estatuto jurídico, dada a implicação que podem ter no julgamento daquelas questões. As zonas marítimas sobre as quais o Estado exerce poderes de soberania ou de jurisdição, são as que constam da Lei n.º 34/2006, de 28 de julho, em articulação com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982 (CNUDM), ou seja: (i) as águas interiores, as situadas no lado terrestre das linhas de base que marcam o início do mar ter- ritorial (artigo 8.º da CNUDM). Sobre elas, o Estado detém um “poder dominial soberano”, abso- luto e exclusivo, que é um poder coincidente com os que são exercidos sobre o território terrestre, não havendo sequer o direito de passagem inofensiva, nem a passagem em trânsito sem autorização, exceto em circunstâncias muito específicas; (ii) o mar territorial, que tem como limite exterior a linha cujos pontos distam 12 milhas náuticas do ponto mais próximo das linhas de base (artigo 6.º da Lei n.º 34/2006). Nesta zona, o Estado tem o “domínio soberano”, exercido através de consideráveis poderes normativos e administrativos, incluindo poderes de autotutela administrativa, mas com as limitações decorrentes da CNUDM, em especial, o direito de passagem inofensiva (artigos 17.º e 21.º); (iii) a zona contígua, que tem por limite exterior a linha cuja distância relativamente ao ponto mais próximo das linhas de base se fixa nas 24 milhas náuticas (artigos 5.º e 7.º da CNUDM e artigo 7.º da Lei n.º 34/2006). É uma zona marítima em que o Estado não dispõe de soberania, mas apenas poderes de jurisdição e fiscalização destinados a evitar e reprimir as infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários que sejam praticadas no seu território ou mar terri- torial (artigo 33.º da CNUDM e artigo 16.º da Lei n.º 34/2006); (iv) a zona económica exclusiva, que tem como limite exterior a linha cujos pontos distam 200 milhas náuticas do ponto mais próximo das linhas de base (artigo 57.º da CNUDM e artigo 8.º da Lei n.º 34/2006). Aí, o Estado exerce direitos de soberania no que respeita à fruição dos recursos natu- rais (vivos e não vivos), mas não sobre o próprio espaço (a coluna de água), assim como poderes de jurisdição referentes à colocação de ilhas artificiais, instalações e estruturas, à investigação científica marinha, e à proteção e preservação do meio marinho (artigos 53.º e 73.º da CNUDM); (v) a plataforma continental, cujo limite exterior é dado pela linha cujos pontos definem o bordo exterior da margem continental ou pela linha cujos pontos distam 200 milhas náuticas do ponto mais próximo das linhas de base, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância (artigo 76.º da CNUDM e artigo 9.º da Lei n.º 34/2006). Sobre esta zona, o Estado exerce direitos de soberania exclusivos sobre o solo e subsolo e sobre os recursos aí existentes, desde que não prejudiquem os direitos de Estados terceiros que visem apenas o uso do espaço (artigo 77.º da CNUDM). Nem todas as zonas marítimas acabadas de referir correspondem ao conceito de «espaço marítimo nacional» que a lei utiliza para efeito de planeamento e ordenamento. Segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, da LBPOGEMN, para a qual remete expressamente o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/2015, o espaço marítimo nacional estende-se «desde as linhas de base até ao limite exterior da plataforma continental para além das 200 milhas marítimas, e organiza-se geograficamente nas seguintes zonas marítimas: a) entre as linhas de base e o limite exterior do mar territorial; b) zona económica exclusiva; c) plataforma continental, incluindo para além das 200 milhas marítimas». Com esta extensão, o espaço marítimo nacional a ordenar abrange apenas o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental.
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