TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

564 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. Por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, é da competência da Assembleia da República legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, podendo, porém, o Governo ser chamado a exercer tal faculdade, através de competente autorização legislativa. Nestes termos, conclui-se que qualquer restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio está inserida no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que a possibilidade de o Governo legislar, sobre essa matéria, está condicionada à existência de lei de autorização que abranja esse específico aspeto, no seu conteúdo. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito da lei de autorização que legitimou a emanação do RJUE, a propósito de norma conexa com a que é, presentemente, submetida a apreciação. De facto, no Acórdão n.º 145/09 – que julgou inconstitucional a norma do artigo 95.º, n.º 3, do RJUE, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, enquanto atribui competência ao juiz da comarca para conceder mandado para entrada de funcionários municipais, no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, nos termos e para os efeitos da fiscalização prevista em tal diploma – pode ler-se: «A norma que é objeto do presente recurso insere-se num diploma – o Decreto-Lei n.º 555/99 – editado ao abrigo da Lei n.º 110/99, de 3 de agosto, que autorizou o Governo a legislar, no âmbito do desenvolvimento da Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, em matéria de atribuições das autarquias locais no que respeita ao regime de licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização e de obras particulares. (…) Percorridas as alíneas do artigo 2.º da Lei, é de concluir que nenhuma delas constituía credencial parlamentar bastante para o Governo editar norma que atribuísse ao juiz da comarca competência para a concessão de mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. (…) O Governo dispôs, pois, em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sem a necessária autorização parlamentar, o que dita, em princípio, um vício de inconstitucionalidade orgânica [artigo 165.º, n.º 1, alínea p) , da CRP].» Não resulta, nem do artigo 1.º da Lei n.º 110/99, de 3 de agosto, que define o objeto da autorização, nem das várias alíneas do artigo 2.º, que delimitam o seu sentido e extensão, qualquer alusão à admissibilidade de restrições ao direito à inviolabilidade do domicílio, por força da realização de inspeções destinadas a sindicar a conformidade das operações urbanísticas e a prevenção de perigos para a saúde e segurança das pessoas. Para que se conclua, porém, pela inconstitucionalidade orgânica, por falta de credencial parlamentar para a intervenção legislativa operada pela norma em apreciação, torna-se necessário averiguar se a mesma detém caráter inovatório. Relativamente a este aspeto, também se pronunciou o Acórdão n.º 145/09, referindo o seguinte: «Em princípio, porque é entendimento reiterado deste Tribunal que “para que se afirme a inconstitucionali- dade orgânica não basta que nos deparemos com produção normativa não autorizada do Governo em determi- nado domínio onde este órgão só poderia intervir com credencial parlamentar bastante. Com efeito, o facto de o Governo aprovar atos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Desde que se demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente” [Acórdão n.º 211/07 (…)].»

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