TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
563 acórdão n.º 195/16 II – Fundamentos 6. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente identifica o objeto respetivo como cor- respondendo à apreciação da constitucionalidade da norma, extraível do artigo 95.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (RJUE), que prevê a possibilidade de realização de inspeções aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização, nos termos do referido diploma, sem dependência de prévia notificação, embora sem a dispensa de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento. Invoca o recorrente o vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Lei Fundamental. Nestes termos, enfatizando essa específica dimensão problemática, poderemos dizer que o objeto da presente fiscalização corresponde à norma, extraída do artigo 95.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (RJUE), que permite a realização de inspeções ao domicílio de qualquer pessoa, sem o seu con- sentimento, nos termos e para os efeitos do referido diploma, ainda que sem a dispensa de prévio mandado judicial. 7. A norma sob fiscalização contende com o direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa. O conceito de domicílio, pressuposto pela Lei Fundamental, corresponde a uma noção ampla, ade- quada à proteção reflexa de vários bens jurídicos fundamentais, como a dignidade da pessoa, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e, sobretudo, a garantia da liberdade individual, autodeterminação existencial e garantia da reserva da vida privada (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 539). Alude-se, a este propósito, à proteção de uma “esfera privada espacial”, reportada a locais funcional- mente conotados com a ideia de residência, ou seja, locais em que se pratiquem “atos relacionados com a vida familiar e com a esfera íntima privada” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010 p. 759). Em consonância com a proteção da referida reserva, “(…) é possível extrair um requisito fundamental para a determinação do conceito de domicílio: a existência de uma compartimentação espacial suscetível de evitar ou limitar a possibilidade de violações ou entradas” ( Idem, ibidem ). Conclui-se, assim, que o conceito de domicílio, para efeito de proteção constitucional, corresponde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, ou seja, “aquele espaço fechado e vedado a estra- nhos, onde, recatadamente e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos caracterís- ticos da vida privada e familiar” (cfr. Acórdão n.º 452/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt , sítio da internet onde podem ser encontrados os restantes arestos deste Tribunal, doravante citados. Sobre o conceito de domicílio ver também, entre outros, os Acórdãos n. os 452/89, 507/94, 364/06, 274/07 e 216/12). O direito à inviolabilidade do domicílio, inserido no Título II, da Parte I, da Constituição, destinado aos direitos, liberdades e garantias, não consubstancia um direito absoluto ou ilimitado. A própria Constituição, no n.º 2 do artigo 34.º, admite que a entrada no domicílio dos cidadãos con- tra a sua vontade pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei. Fica, assim, definida uma autorização constitucional expressa para o estabelecimento de restrições à inviolabilidade do domicílio, que estão sujeitas à reserva de lei – que definirá os seus concretos termos – e ao controlo da autoridade judicial competente.
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