TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
553 acórdão n.º 193/16 19. Como referido, a LPCJP, na redação anterior à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, só previa a constituição obrigatória de advogado antes da decisão judicial de primeira instância para a criança ou jovem: em caso de conflito de interesses com os pais, o representante legal ou a pessoa que tivesse a guarda de facto e no debate judicial (artigo 103.º, n. os 2 e 4). A regra aplicável aos progenitores era, portanto, a do patrocínio meramente facultativo, em conformidade com a natureza de jurisdição voluntária legalmente reconhecida ao “processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo” (cfr. o artigo 100.º da LPCJP). Com efeito, segundo o artigo 1409.º, n.º 4, do Código de Processo Civil de 1961 (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro) – a que corresponde o artigo 986.º, n.º 4, no Código atualmente em vigor –, «nos processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso». Significa isto que, conforme referido no Acórdão n.º 245/97, «as partes (por si próprias ou por intermédio do solicitador que aí as represente) podem suscitar e discutir no processo todas as questões, sejam elas questões de facto ou de direito». A solução adotada em 1995 em matéria de jurisdição voluntária – e que, pelo menos no caso das decisões sobre as citadas medidas de promoção e proteção, porque sempre recorríveis, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, da LPCJP, representava uma exceção ao disposto em geral quanto à constituição obrigatória de advogado [cfr. o artigo 32.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Civil de 1961] – prosseguiu objetivos de economia, simplificação e informalidade, característicos daquele tipo de processos, em que o tribunal – mais do que decidir um litígio segundo critérios estritamente jurídicos – profere um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra 2004, nota II ao artigo 1409, p. 298). E esse é, na verdade, o perfil e a matriz a que comummente e tradicionalmente é reconduzida a jurisdição voluntária: «Nos processos de jurisdição contenciosa, que constituem a regra, há um conflito de interesses entre as partes […] que ao tribunal incumbe dirimir, de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo. Nos proces- sos de jurisdição voluntária há um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes. Nos processos de jurisdição contenciosa, o tribunal é chamado a exercer a função (jurisdicional) própria dos órgãos judiciários, elaborando e formulando a solução concreta que decorre do direito substantivo aplicável ( ius dicendum ). Nos processos de jurisdição voluntária […], a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do estado através do poder judicial. [Essencial é que nos casos em que exista controvérsia entre os interessados – como, por exemplo, a propósito da solução do problema relativo à guarda ou educação do menor –,] haja um interesse fundamental tutelado pela lei e ao juiz, em nome do Estado, se tenha atribuído o poder de escolher a melhor forma de o gerir ou de fiscalizar o modo como se pretende satisfazê-lo. Assim é que, havendo controvérsia entre os pais acerca de determinadas providências relativas aos filhos [a lei] manda o juiz resolver de harmonia com os interesses do menor» (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, cit., pp. 69-70 e nota 2 da p. 70). É por via do processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças que o tribunal intervém no quadro da defesa dos direitos das crianças e jovens em perigo, nas situações em que só ele o pode fazer, nas situações de conflito ou naquelas em que a sua intervenção é tida por conveniente pelo Ministério Público (cfr. os artigos 6.º e 11.º da LPCJP). Em especial, quando esteja em causa a aplicação de medidas de promo- ção dos direitos e de proteção pelo tribunal – providências tipificadas na lei destinadas a proteger a criança ou o jovem em perigo [artigos 5.º, alínea e) , e 35.º, n.º 1, ambos da LPCJP] – é clara a prevalência do inte- resse fundamental dessa criança ou jovem: afastar o perigo em que eventualmente se encontre, salvaguardar a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e, se necessário, garantir a sua recuperação física e psicológica (artigo 34.º da LPCJP). E, contudo, a mesma lei – trata-se da versão da
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