TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

545 acórdão n.º 193/16 No n.º 6 do artigo 36.º é visível o cruzamento de técnicas de proteção da família enquanto bem constitucional- mente protegido na sua dupla dimensão objetiva-subjetiva, uma vez que o princípio da não separação entre pais e filhos é, simultaneamente, uma garantia da unidade familiar e, no plano subjetivo, não apenas um direito subjetivo dos pais a não serem separados dos filhos, mas também um direito subjetivo dos filhos a não serem separados dos pais. Daí que, por imposição constitucional, os pais só possam ser separados dos filhos nos casos extremos de, por irresponsabilidade ou negligência, não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, e por decisão judicial.» (v. Autora cit., “Anotação ao Acórdão TC n.º 232/2004 [expulsão de estrangeiros com filhos menores a cargo)” in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, (jul./set. 2004), pp. 25 e segs., pp. 31-32]. 16. Por outro lado, reforçando o caráter excecional e a gravidade da ingerência pública no direito à convivência entre os pais e os filhos, a Constituição estabelece condições substantivas e procedimentais destinadas a justificar material e formalmente tal ingerência. Como referido, a mesma deve constituir uma ultima ratio , em ordem à salvaguardar um bem maior que é a defesa da integridade física e psicológica e da possibilidade de desenvolvimento da personalidade dos próprios filhos, quando aqueles bens sejam coloca- dos em perigo por ação ou omissão dos respetivos pais. Com efeito, a tutela da família opera também num plano objetivo, impondo ao Estado e à sociedade em geral, especiais deveres de proteção das crianças, mesmo contra a própria família (cfr. o artigo 69.º, n. os 1 e 2, da Constituição). A valoração constitucional positiva da família pressupõe, na verdade, que esta constitua, em concreto, um espaço propício à «realização pessoal dos seus membros», sem abstrair da diferente fragilidade ou dependência de cada um deles, justificativa de necessidades diferenciadas de proteção (cfr. a afirmação do princípio no artigo 67.º, n.º 1, e a concretização de diferentes deveres de proteção nos artigos 68.º e 69.º). No tocante às garantias do direito à convivência, conciliando-o com a vertente objetiva da tutela da família, o artigo 36.º, n.º 6, da Constituição é particularmente enfático: a separação dos filhos e dos pais tem como pressuposto o incumprimento por parte destes últimos de deveres fundamentais para com os primei- ros e só pode ser decretada por decisão judicial. «A Lei Fundamental estabelece […] uma reserva específica de decisão judicial, exigindo, por isso, que os tribunais tenham, não apenas a última palavra, mas também a primeira na decisão de separação» (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., anot. XXVIII ao artigo 36.º, p. 834). O juiz funciona aqui como um garante dos direitos de todos os envolvidos – pais e filhos – estando obrigado a respeitar os equilíbrios constitucionais, tal como legalmente concretizados. Em especial, na perspetiva dos pais que se opõem a uma medida de separação a decretar eventualmente em consequência da violação das suas responsabilidades parentais fundamentais que lhes seja imputada, o processo perante o juiz adquire uma relevância crítica, porquanto é a única via processual que lhes é reconhecida para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos. Na mesma perspetiva, tem, deste modo, plena justificação invocar o direito à tutela jurisdicional efetiva, que postula quer o acesso ao Direito e aos tribunais, quer o direito a que o processo em que tal decisão tão gravosa é tomada seja ver- dadeiramente um processo equitativo. Na verdade, decorrem do texto constitucional, explícita ou implicitamente, exigências impreteríveis quanto à conformação e organização dos processos jurisdicionais em geral, as quais são um direto corolário da ideia de Estado de direito democrático, porquanto um dos elementos estruturantes deste modelo de Estado é justamente a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar (cfr. o Acórdão n.º 271/95). Sendo através do processo que os tribunais desempenham a função jurisdicional, e sendo também por intermédio dele que os cidadãos têm acesso à tutela estadual dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podem as normas que o conformam deixar de refletir princí- pios que estruturam todo o sistema da Constituição. Como se afirmou no Acórdão n.º 243/13: «O direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à proteção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão

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