TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional, a específica norma de garantia estabelecida pelo artigo 36.º, n.º 6, que reflete, afinal, em sede de direitos, liberdades e garantias, aquela proteção. À família, considerada na Lei Fundamental como “elemento fundamental da sociedade”, hão-de ser facultadas “todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, seguramente porque se entende depen- der o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomea- damente afetivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e coletiva, a sua própria forma de ver o mundo. A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indivíduo, sendo aí que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afetivos. Como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edi- ção, anotação V ao artigo 67.º, p. 351): A proteção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, proteção da unidade da família. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. […] Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respetiva separação ou afas- tamento.» (v. o Acórdão n.º 181/97; no mesmo sentido essencial, v. os Acórdãos n. os 470/99 e 232/04) Este entendimento é corroborado pela doutrina. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que a garantia de não privação dos filhos (n.º 6) é também um direito subjetivo a favor dos pais. As restrições a esse direito estão sob reserva da lei (pois compete a esta estabelecer os casos em que os filhos poderão ser separados dos pais, quando estes não cumpram os seus deve- res fundamentais) e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada contra a vontade dos pais (vide Autores cits., Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. VIII ao artigo 36.º, p. 566). Jorge Miranda e Rui Medeiros, depois de delimitarem cuidadosamente o âmbito de proteção do direito em causa – apenas «as situações de separação dos filhos dos pais decretada pelos poderes públicos em consequência do incumprimento ou cumprimento defeituoso das responsabilidades parentais» –, salientam: «Não basta […] que os pais não cumpram os seus deveres para com os filhos, sendo necessário que esteja em causa o incumprimento de “deveres fundamentais”. […] Por outro lado, estando em causa uma medida gravemente restritiva de direitos, liberdades e garantias, não pode deixar o legislador de densificar os deveres fundamentais cuja violação, ainda que objetiva, legitima a imposição de que os filhos sejam separados dos pais. As intervenções dos poderes públicos estão, pois, neste domínio, sujeitas a reserva de lei […]. O princípio da proporcionalidade exige, por último, que a separação, sendo a medida mais gravosa, constitua a ultima ratio , não podendo ser decretada quando existirem outras soluções menos gravosas» (v. Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XXVIII ao artigo 36.º, pp. 834-835). No mesmo sentido, Anabela Costa Leão, destaca a importância do artigo 36.º, n.º 6, no quadro da tutela constitucional multifacetada da família: «A proteção da família implica a proteção da unidade da família, que tem no direito à convivência entre os seus membros a sua manifestação mais relevante. Tal implica, desde logo, para o Estado, uma obrigação de facere – cria- ção de condições que permitam essa convivência – e uma obrigação de non facere – não impedir essa convivência. Nessa dimensão jurídica – defensiva, ou negativa (de não ingerência) o direito à convivência reveste natureza de direito, liberdade e garantia, seja diretamente a partir do artigo 36.º, seja analogamente a partir do artigo 67.º
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